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O drama da reclusão domiciliária – à atenção dos novos autarcas

30 de outubro às 11 h21
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Damos como garantida a autonomia que temos, não reparamos nos pequenos irritantes no caminho, protestamos pelo pequeno buraco no passeio, contornamos os pinos colocados para que os automóveis não os invadam, damos um salto para vencer a distância do passeio ao autocarro, irritamo-nos com a trotineta atravessada e o vaso e o banco e a corrente. Mas não pensamos muito mais. Pequenos irritantes na nossa vida.

E se forem mais que isso? Para alguns? Se forem obstáculos tamanhos que transformam muitos dos nossos concidadãos em reclusos nas casas, sabendo que não conseguem navegar aqueles mares com tamanhos obstáculos, bem mais reais que Adamastores.

Pois, se tivermos o azar de ter mobilidade reduzida, sentidos comprometidos, presos a uma cadeira de rodas, agarrados a muletas, cegos, ou ainda se tivermos a sorte de envelhecer e precisarmos de mais tempo, de mais segurança na deslocação, a esta condição inescapável junta-se o afastamento do mundo.

Que tem isto a ver com o tema da coluna? Tudo. Ambiente e qualidade de vida. Não lutamos pelo ambiente por razões ideológicas ou de virtude moral. Lutamos por pragmatismo materialista, porque precisamos de boas condições ambientais para vivermos com segurança e qualidade. E porque, neste campo, as soluções para uma parte concorrem para a melhoria de outra.
E porquê agora? Porque nas anteriores autárquicas deixou-se um repto aos candidatos para pôrem em prática diversos documentos e orientações, sem precisarem de grande invenção, nomeadamente o «Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 11: Tornar as cidades e as comunidades mais inclusivas, seguras, resilientes e sustentáveis» e considerar o «Guia Global das
Cidades Amigas das Pessoas Idosas». Mas documentos e intenções por vezes perdem-se por não percebermos na prática a magnitude que estas questões podem ter na vida das pessoas. Na verdade, a Câmara Muinicipal de Coimbra assinou em 2013, em Dublin, a Declaração das Cidades Amigas das Pessoas Idosas. Mas a seguir…
Assim, em vez de conselhos, pedidos ou orientações, deixo um único repto:

Às Senhoras e Senhores Autarcas eleitos. Experimentem, por um dia que seja, navegar a cidade da forma a que muitos dos nossos concidadãos estão obrigados. Um dia de cadeira de rodas, tentando manter o passeio, atravessar a rua, entrar em serviços públicos. Outro dia de olhos vendados, apanhando um autocarro, evitando as armadilhas atravessadas nos passeios. Outro dia com bengala, sem batota. Outro ainda empurrando um carrinho de bebé.

Se tivessemos todos essa experiência decerto que a cidade era mais inclusiva, mais sustentável, e que haveria menos cidadãos inocentes em reclusão domiciliária. Sendo que todos teríamos a ganhar. E não é preciso inventar, é seguir os compromissos já assumidos.

Pôr os cidadãos acima dos automóveis na escala de prioridades é urgente.

Autoria de:

Mário Reis

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