Opinião: À Mesa com Portugal – Tudo menos gastronomia
Nesta minha crónica, evitei sempre a exposição de estados de alma, para isso, existem outros canais e outros contextos. Contudo, também tenho dias de querer falar de tudo menos de gastronomia.
Sugeriu-me o tempo de férias, olhar os outros, os grupos, as famílias, as pessoas. Pensar o ser e o estar humano num tempo que se fala do indivíduo e do seu poder para encontrar a felicidade, seja isso o que for. Não serei especialista, mas tenho a sensibilidade de sentir com os olhos e com os ouvidos.
Desde os tempos mais antigos da evolução humana, os seres humanos tentaram lidar com a solidão, fugiram a ela criando os rituais de grupo. O estar sozinho nunca foi uma opção, mas mais um acaso fortuito da vida a que a todos quiseram escapar. Amarga, escura, fria, a solidão teve sempre um contexto de impressão negativa do ser. Em consequência, até nos momentos mais íntimos, se construíram os contextos de comunidade. Talvez por isso, as escolhas, nem sempre boas, para a ela escapar. Ou então, a liberdade de escolha nunca existiu, apenas fomos procurando as opções entre as possibilidades presentes, fomos inventando boas histórias com finais felizes. O casamento é disso grande prova. A ausência de conversa, a falta de olhar cúmplice, as palavras secas e agressivas, dizem o que o silêncio quer calar. A procura constante num telemóvel, que traz o assunto, que enrola o tempo, facilita o disfarce, enquanto o expõe. O mesmo poderia dizer-se da vida ocupada entre solicitações.
É claro que, se é uma realidade do presente, também o terá sido no passado. Outrora, o casamento por amor era, muitas vezes, um eufemismo barato para o rosário do que iria ser a vida a dois. As histórias das mulheres que tenho ouvido no silêncio das cozinhas dizem-me o quanto tal não é um assunto novo.
Mas o que é novo é a vontade de esclarecimento e a capacidade de expor aos nossos olhos as nossas mais sentidas expetativas. Outrora, era difícil escapar à crítica social, ao julgamento, hoje, a ferramenta do eu na sua relação com o grupo permite uma outra abordagem. Até porque a história não pára no momento presente, há que pensar instituições sociais criadas para regular as relações e perceber como elas podem evoluir. Ouvir a solidão interior, a má, aquela que nos despe, e a boa, aquela que nos faz caminhar para lugar seguro.


