Bagagem d’escrita: Epopeia sobre carris -Parte II Grécia – 2003

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Quatro polícias dirigem-se a mim e aos três suíços que estavam comigo. A nossa expressão denunciava o medo que nos consumia por não fazermos ideia do que nos iria acontecer, imóveis perante o fatalismo de não haver escapatória e de não ser boa ideia começar o dia a fugir às autoridades num território que ainda por cima desconhecíamos por completo. A primeira coisa que fizeram foi pedir os passaportes. Queriam saber quem éramos e o que estávamos ali a fazer. Com as mãos trémulas, lá o consegui tirar do bolso da camisa, e ali fiquei a olhar para a face sisuda de quem o analisava de fio a pavio.
Ordenaram-nos que fôssemos com eles para a esquadra, e abriram-me a porta lateral de uma daquelas carrinhas celulares que servem para transportar os detidos. Foi um momento mesmo muito estranho estar num espaço que subitamente passou do dia para a noite quando a porta se fechou e eu só vislumbrava os ténues raios de luz que conseguiam entrar por aqueles pequenos buracos. Foi nesse instante que veio à cabeça aquela questão de “e se os meus pais me vissem agora?”, que, neste caso, muito pouco me dignificaria.
Depois de perceberem que éramos só uns turistas que tiveram a brilhante ideia de dormir no sítio errado à hora errada é que o ambiente ficou muito mais afável. Para quebrar o gelo, disseram-me que adoravam o “Figo”, a nossa estrela do Portugal pré CR7, seguido daquele gesto do “very good!”. E explicaram-me que aquele espaço onde pernoitámos era uma zona junto ao rio que fazia a fronteira com a Turquia, uma zona famosa pelo tráfico de toda a espécie de mercadorias. A minha cara inchada das picadas dos mosquitos devia estar com um aspeto tão deplorável que me ofereceram uma bisnaga para tratar isso. Ainda hoje a guardo religiosamente.
Daí, apanhámos o comboio para um mundo diferente, a partir do momento em que, da janela, avistamos da ponte que é a fronteira algumas trincheiras do lado do país governado há pouco tempo por alguém chamado Erdogan. Tudo o que se passou entre a ida e a volta neste local ficará para outras crónicas, já que agora me debruçarei sobre o regresso em território grego menos de um mês depois.
Os dias estavam mais que contados, pois o bilhete de InterRail estavam a findar, e eu tinha de voltar para Itália, onde tinha toda a minha bagagem de um ano de estadia à minha espera, e depois ainda haveria de seguir para Portugal. Tinha conhecido três catalães que viajavam no mesmo sentido e tinham o mesmo objetivo: Estar pelas 20:00 do dia seguinte a apanhar o ferry em Patras para seguir para Ancona, em Itália. A primeira noite foi dormida no jardim perto da estação de Tessalónica, onde dezenas de outros viajantes seguiram o mesmo exemplo. Na manhã seguinte, sabíamos que nos esperava um dia em cheio.
Apanhámos o primeiro comboio para Atenas, onde teríamos de apanhar quatro minutos depois um outro, na estação sul, para Patras. Ao longo de várias horas de caminho, o nervosismo apoderou-se facilmente de nós, sempre a olhar para os relógios a ver se daria para conseguir apanhar o outro, caso não houvesse nenhum atraso. Quando ele chega à capital, foi o sprint movido à força do desespero para apanhar o tão desejado Intercidades. O primeiro a chegar fez sinal ao maquinista para esperar pelos outros, e assim que o último entrou, o apito fez-se sentir e partimos. Foi a festa por tamanha vitória!
Mas foi breve. O revisor pede-nos os bilhetes, e como não tínhamos a reserva, e este era um intercidades, expulsou-nos do comboio na paragem seguinte. Não valerá a pena aqui descrever as nossas reações. E assim passámos do céu ao inferno. (continua)

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