Paulo Valério: “Há um profundo divórcio” entre os advogados e a Ordem

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O que o levou a avançar para esta candidatura a bastonário da Ordem dos Avogados?
Há muitos anos que me dedico exclusivamente à minha atividade profissional, mas fui sempre um cidadão civicamente empenhado. Embora sinta, cada vez mais, que sou demasiado livre para caber nos espartilhos da política partidária, considero que a participação política é um direito e é, em certo sentido, um dever. Na Ordem, o momento de viragem para mim foi ter percebido que mais de 4.000 advogados votaram nulo ou branco nas últimas eleições. Quase tantos como os que votaram no atual Bastonário! E não se pode dizer que as pessoas não tivessem escolha, porque eram seis os candidatos. Isto só pode significar que há um profundo divórcio entre os advogados e os seus representantes. É preciso resolver isso.

Que expectativas acalenta, tendo em conta até a quantidade de candidatos que se anuncia?
Espero ganhar as eleições. O número de candidatos que temos – e que tem sido habitual – não significa que os advogados tenham muito por onde escolher. A esmagadora maioria das candidaturas resulta de velhas rivalidades e cisões dentro de grupos de advogados que gravitam na Ordem dos Advogados há vinte anos. Se os advogados pretendem mudar, a nossa candidatura é a única alternativa.

Considera-se um outsider nesta corrida eleitoral?
A maioria dos advogados é outsider na Ordem dos Advogados. E isso é triste. É triste porque há, em geral, não só na Ordem, um desinteresse pela participação cívica, mas é sobretudo triste porque a Ordem dos Advogados se tornou uma espécie de alternância, onde só alguns têm lugar, sempre os mesmos, no Conselho Geral e nos Conselhos Regionais, há pelo menos vinte anos.

Considera sustentáveis as condições para o desempenho da profissão, nas grandes cidades e no país em geral?
Portugal tem cerca de 350 advogados por 100.000 habitantes. Quase o triplo da média da União Europeia. Se me pergunta se há trabalho para todos, a resposta é não, não há. É preciso ter a coragem de dizer que existe desemprego real e muita precariedade na advocacia. É o fruto do crescimento desenfreado das faculdades de direito privadas nos anos noventa e de uma Ordem que transformou os estágios num negócio. Para a própria Ordem, que se financia com eles. E para os advogados, infelizmente ainda muitos, que beneficiam do trabalho dos estagiários sem lhes pagarem. Alguns estagiários fazem de rececionista e de estafeta. Têm-me dito para não defender os estagiários, porque eles não votam. Mas nunca me esqueço que a principal missão de um Bastonário não é colecionar apoios a todo o custo, é defender os Direitos, Liberdades e Garantias dos cidadãos.

Como avalia o prestígio social e profissional do advogado no Portugal de hoje?
A Ordem quer ser respeitada e a maior parte dos candidatos elege como principal bandeira prestigiar a advocacia em Portugal. O problema é que ninguém diz como vai fazer isso. Se a Ordem quer ser respeitada tem, primeiro, que se dar ao respeito. Não pode conviver com estágios não remunerados durante mais de dois anos. Não pode aceitar que o acesso dos cidadãos mais desfavorecidos à justiça seja feito em part-time pelos advogados que têm tempo disponível. Não pode permitir um sistema de previdência que não paga condignamente licenças de doença e parentalidade. E não pode fazer da Ordem uma bravata da luta político partidária, com tem feito o atual Bastonário.

Como está a decorrer o contacto com os advogados, ao longo do país?
Todos os dias, desde que esta campanha começou, recebo manifestações de apoio espontâneas, de colegas que não conheço, vindos do quatro cantos de Portugal. São pessoas que me dizem que nunca se envolveram numas eleições da Ordem e que, pela primeira vez, estão motivadas a fazê-lo. Isso deve querer dizer que estou a fazer alguma coisa bem.

Que receptividade teve, por parte das estruturas regionais e nacional da Ordem, ao nível do suporte logístico à candidatura?
Vou dar um exemplo, que comporta poucas exceções. Quando vim a Coimbra, no dia 16 de setembro [NdR – para uma sessão que culminou um périplo, de 11 dias, por Viseu, Guarda, Bragança, Vila Real, Chaves, Braga, Barcelos, Viana do Castelo, Porto, Guimarães, Aveiro e Leiria] , pedi ao Presidente do Conselho Regional para enviar um email aos advogados da região, a divulgar essa iniciativa. Recusou fazê-lo e mandou os serviços escreverem-me a dizer que não era possível porque a Comissão Eleitoral ainda não tinha definido as regras de comunicação… tentei telefonar-lhe e enviei mensagens, mas nunca respondeu. Agora é curioso vê-lo a enviar emails e até mensagens a divulgar a lista de que faz parte. Cada um que tire as suas conclusões.

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