Opinião: Listas de espera no SNS- Um “cancro” do SNS*

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No último artigo de opinião, lidei com este tema, mas prometi voltar a ele, à procura de soluções. As listas de espera são o sintoma de uma doença, que é a baixa produtividade dos hospitais públicos. Esta tem vários fatores, cujo diagnóstico está, aliás, feito. A ela já aludi anteriormente, mas vale a pena referi-la, brevemente, agora.
Em primeiro lugar, um horário normal de 35 horas, incluindo 12 horas para prestação de serviço de urgência, ainda que cumprido, deixa aos médicos pouco mais de quatro horas diárias para a rentabilização dos blocos operatórios, o que é, convenhamos, muito escasso para uma estrutura extremamente cara. E salas de operação a funcionar apenas 4 ou 5 horas por dia, são duplamente onerosas. Com efeito, estas instalações têm custos elevados, mesmo quando não estão a funcionar, pelo que há que estender ao máximo a sua utilização efetiva. E o mesmo pode dizer-se, embora em escala diferente, das consultas externas que geralmente funcionam apenas cinco meios-dias por semana.
Como consequência lógica, apenas um sistema de horário acrescido, especialmente se exercido em regime de exclusividade, poderá contribuir decisivamente para o aumento da produtividade. Mas estes sistemas de trabalho implicarão, necessariamente, pagamento condigno, diferenciado consoante as responsabilidades e a produtividade, impossível nas condições acuais. O pagamento dos médicos pelas tabelas da função pública resulta no comportamento típico do funcionário, em que a produtividade, que não é recompensada, tem papel secundário. Por isso defendo a indexação dos salários à produtividade individual e coletiva, aliás, um dos princípios dos Centros de Responsabilidade Integrada.
Se os 150 000 doentes que se encontram em lista de espera corresponderem a um terço ou um quarto do número de intervenções cirúrgicas efetuadas anualmente no País, então um acréscimo de um terço ou um quarto no período de funcionamento das salas de operações de todos os nossos hospitais deveria, logicamente, ser suficiente para eliminar as listas de espera no prazo de um ano. E, seria suficiente para evitar a acumulação de novas listas, um efeito que não é certamente obtido com qualquer dos programas referidos no meu artigo anterior. Isto significaria um aumento de apenas uma a duas horas de trabalho diárias, o que nem sequer me parece ser algo de muito excecional. Ainda que a matemática dos números não possa ser feita de forma tão simplista, não tenho dúvida de que chegaríamos muito próximo da solução. Aliás, esquemas deste tipo foram já aplicados, com grande sucesso, nalguns hospitais.
Por outro lado, importa ter em conta que há outros grupos profissionais envolvidos, constituindo muitas vezes, também, obstáculo ao aumento da produtividade dos blocos operatórios. No entanto, é pela modificação do regime de trabalho dos médicos que tem de passar a solução.
Uma questão se levanta aqui, no entanto: se é agora possível pagar (e bem!) de acordo com a produção, nos casos abrangidos pelo SIGIC, porque não seria possível fazê-lo em todas as situações? Até onde poderiam levar-nos os muitos milhões de euros desse programa se utilizados em pagamentos de salários diferenciados ou em trabalho extraordinário? Por outro lado, é óbvio que, desde que com pagamento adicional, as equipas cirúrgicas e as instituições hospitalares têm, afinal, capacidade para produzir mais. Então, por que se não faz?
Vale a pena referir ainda que o tamanho das listas de espera depende de muitos fatores e que o aumento da oferta determina sempre um aumento da procura, especialmente quando o custo direto para o consumidor é praticamente nulo. Um potencial aumento da procura teria importantes implicações orçamentais que, sinto-o, não estarão fora das preocupações de muitos administradores e mesmo de alguns políticos!
Um terceiro fator da baixa produtividade é o da dispersão da atividade dos médicos, especialmente dos cirurgiões, entre as clínicas pública e privada. Não infrequentemente, esta, mais do que competir com aquela, parasita-a. A atenção do médico está dividida entre uma atividade obviamente mais rendosa, a privada, e a hospitalar, que assim tende a ser relegada para segundo lugar. Neste contexto, reafirmo o papel fundamental que têm os diretores na produtividade dos respetivos serviços, ou na falta desta. Por isso acredito sinceramente que devam ser os primeiros a optar pela dedicação exclusiva.
Em conclusão, os programas de atenuação ou limitação das listas de espera para o atendimento nos hospitais públicos são, necessariamente, bem-vindos nas circunstâncias acuais. Mas não podem deixar de ser meramente circunstanciais e, sobretudo, não podem substituir-se a, ou de qualquer modo ser impeditivos de uma produtividade normal e programada dos serviços, sob pena de multiplicação e perpetuação do problema.
Aceitando a natural complementaridade com o sector público, o recurso a instituições privadas para a resolução das listas de espera pode ser uma solução, mas aí os serviços privados não podem continuar a ser prestados pelos mesmos agentes que prestam o serviço público, numa relação de tipo eminentemente ‘incestuoso’. Em conclusão, os programas de atenuação ou limitação das listas de espera para o atendimento nos hospitais públicos são, necessariamente, bem-vindos nas circunstâncias acuais. Mas não podem deixar de ser meramente circunstanciais e, sobretudo, não podem substituir-se a, ou de qualquer modo ser impeditivos de uma produtividade normal e programada dos serviços, sob pena de multiplicação e perpetuação do problema.

*Continuação do artigo do opinião publicado no passado dia 19 de maio

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