Jovem pastor guarda ovelhas sob viaduto da A1

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A vida segue a toda velocidade sobre aquele viaduto da A1. Os carros rasgam o asfalto na corrida vertiginosa dos dias, ignorando que debaixo daquela estrada, nos Campos do Mondego, o tempo corre lento, sem pressas ou inquietações.

Em Ribeira de Frades, a escassos metros da maior via do país e a poucos quilómetros da cidade, Tiago Ré, um jovem pastor de 29 anos, guarda o seu rebanho. Na manhã em que o encontramos, regressa com as ovelhas do pasto, junto à estrada do campo. Na cabeça, a boina de burel, numa mão, o cajado. Encostado ao regaço, afaga um borrego nascido há três dias. O som dos chocalhos confunde-se com o balido dos animais.

Tiago é um homem de poucas falas. Habitou-se a uma vida solitária, interrompida, amiúde, pelo telemóvel – um dos poucos sinais de modernidade que traz consigo e que o vai “entretendo”. Filho de pastor, cedo aprendeu a conduzir o rebanho e a afilhar os borregos e, aos 16 anos, concluído o 9.º ano de escolaridade, deixou a escola e aventurou-se por conta e risco neste ofício.

“Na verdade, foi a profissão que sempre quis”, diz, olhos postos nos dois rafeiros alentejanos que correm por ali.

Os dias começam cedo: sai de S. João do Campo, onde vive, por volta das 06H00 e, mal chega ao viaduto que serve de abrigo aos animais, perfila as ovelhas da raça Bordaleira para a ordenha. O leite será depois vendido para as fábricas de laticínios da região.

É dos poucos dividendos que retira da pastorícia. “Vendo o leite para uma fábrica de Oliveira do Hospital e crio borregos para vender, sobretudo nas épocas do Natal e da Páscoa”, diz. “Agora o negócio tem estado fraco. Isto da pandemia veio abalar tudo”.

A lã, essa, já ninguém a compra, mas a tosquia é um ritual que cumpre sempre em maio, quando a temperatura começa a subir.

“Sou eu que faço a tosquia, mas com ajuda”. A prática, além de aliviar os animais do calor causado pela lã, evita a exposição a doenças.

Terminada a ordenha, é hora de libertar os animais do redil e de seguir em direção às melhores pastagens. “Ando por aí, para trás e para a frente”, palmilhando quilómetros de terra. Não é um pastor transumante – aqueles que percorriam centenas de quilómetros, que atravessavam regiões para fornecer aos rebanhos pastos verdes-, mas conhece como ninguém os Campos do Mondego “cobertos de quietude e de toalhas de água”, como escreveu Torga.

Ao final do dia, regressa com as cerca de 50 ovelhas. Recolhe-as no redil construído debaixo do viaduto, em cama de feno feita de novo todos os dias, tocada por um ribeiro que sacia a sede aos animas.

“É um trabalho muito solitário, mas gosto de tudo – da liberdade, de andar livre. Por enquanto, é isto que eu quero fazer”, conta.

Um dia, mais tarde, pode até pensar em mudar de vida. “Eu não gostava que um filho meu tivesse esta profissão. Mas, se for pai, gostava de o trazer para o campo comigo”, confessa. Porque ser pastor não é fácil: exige dedicação e esforço. Seja fim de semana ou dia santo, faça chuva ou faça sol, Tiago regressa sempre no dia seguinte. E o dia seguinte, já se sabe, é quase sempre igual. Numa repetição que, às vezes, entedia, mas que vence com amor à terra e aos animais.

Enquanto isso, a vida sobre o viaduto, na A1, segue a toda a velocidade. Como se houvesse dois mundos distintos: o mundo de Tiago e um mundo lá fora. Ambos correm em tempos diferentes, mas apenas um escapa ileso à corrida vertiginosa dos dias.

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