Opinião: Prestação de Cuidados de Saúde: público vs. privado

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A sobrecarga sem precedentes dos estabelecimentos do SNS, causada pela atual crise pandémica, obrigou finalmente, porventura tardiamente, o Estado a pedir ajuda aos sistemas de saúde privado e social, com a “justa compensação”. Seria bom que, para além dos doentes Covid, tal cooperação incluísse os que têm outras doenças e não estão a ser tratados atempadamente, mas isso seria admitir insuficiência do SNS, o que é extremamente difícil para muitos. Mas esta problema não é apenas de agora. Já era notório antes, em boa parte devido ao progressivo aumento da procura, especialmente resultante do crescente envelhecimento da população.

A falência do Estado como único financiador, gestor e prestador dos cuidados de saúde já havia levado à progressiva aceitação dos sectores privado e social como elementos essenciais na prestação de cuidados de saúde ao cidadão, em complementaridade com o sector público. No entanto, dentro dos condicionalismos atuais, ao Estado cabe a responsabilidade do financiamento do sector público e o sector privado deverá ser completamente autónomo e autossuficiente. Este tem, pois, de garantir a sua própria base económica, mas é evidente que se lhe tem que reconhecer o direito de ser compensado pelos serviços que ao Estado competiria prestar aos cidadãos. Para que tal seja possível, há que definir rigorosamente a fronteira entre os dois. Defendo a existência de dois sectores fortes, mas separados e com regras claras de concorrência entre eles e dentro de cada um deles, em desfavor da autocompetição por mecanismos obscuros.

O privado tem, pois, que se tornar cada vez mais autónomo no que respeita aos seus grupos profissionais, numa evolução progressiva para a profissionalização e a dedicação completa. Naturalmente, a ele deverão aplicar-se os mesmos critérios de idoneidade e de qualidade que se apliquem ao sector público, pelo que deve também ser sujeito a normas e mecanismos de verificação da qualidade técnica e deontológica, e a regras de acreditação bem definidas, o que, tem de reconhecer-se, já tem vindo a ser implementado de uma forma relativamente eficaz

Portanto, entendo que a ‘compra’ de serviços pelo sector público ao sector privado deverá ocorrer em casos bem definidos e justificados, pelo que sou contra um sistema generalizado e descontrolado de convenções. Tal como actualmente acontece, estas são um sinal claro de desinteresse do Estado pelo seu próprio sistema que é, assim, progressivamente descapitalizado e subfinanciado. As convenções não geram competição e não estimulam a melhoria da qualidade e o sistema é geralmente redutor e fere o princípio de mercado em que a qualidade gera a procura. De facto, constitui frequentemente um significativo apoio à sobrevivência dos incompetentes e em que os mesmos agentes controlam simultaneamente a oferta e a procura.

Pelo contrário, sou por um sistema de escolha livre pelo cidadão, com a implicação de que o SNS seja fortalecido e dotado das condições de produtividade e qualidade, que hoje já não possui, e sem as quais não está em condições de competir verdadeiramente com o sector privado que, de outro modo, seria preferido pelo doente por lhe reconhecer melhores condições de acesso e de atendimento personalizado. No privado, o cidadão assumiria os respetivos custos, quer directamente quer através de seguros de saúde ou de outros esquemas alternativos. Mas para facilitar tal sistema, o Estado fomentaria, pela via fiscal, a poupança privada a aplicar na constituição de fundos e seguros de saúde e outros sistemas complementares de assistência. É este o conceito base da ADSE, esquema de proteção na saúde dos funcionários públicos. O cidadão que optasse por estas modalidades seria, deste modo, compensado por libertar o Estado das suas obrigações de prestação dos respetivos cuidados de saúde.

Todos, incluindo o Estado, teríamos tudo a ganhar e pouco ou nada a perder. Assim houvesse vontade política para o pôr em prática!

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