Crianças “não podem ficar reféns de uma sociedade militarizada contra a pandemia”

Spread the love

DR

“Se não formos prudentes, as sequelas sociais serão bem mais nocivas e duradoiras que os custos sanitários da covid-19”, alertam vários membros da Comissão Nacional da Saúde Materna, da Criança e do Adolescente, um órgão consultivo da Direção-Geral da Saúde, num documento em que questionam as medidas “exageradas” adotadas no início da pandemia.
“Num momento em que se recomeça a falar de medidas mais severas de contenção e confinamento, já não há a desculpa da ignorância e do medo para se enveredar pelo mesmo curso”, adverte, Gonçalo Cordeiro Ferreira, que preside à comissão.
No documento a que o DIÁRIO AS BEIRAS teve acesso, pediatras e outros especialistas defendem que é necessário retomar práticas e cuidados que “foram abruptamente suspensos” na primeira vaga. Em março, por exemplo, “as grávidas deixaram de poder ser acompanhadas nas consultas, exames e salas de parto. Os recém-nascidos foram separados de mães SARS-CoV-2 positivas. As crianças deixaram de ir à escola, à casa dos avós, ao parque, aos terapeutas, ao centro de saúde e ao hospital. Deixaram de receber refeições e atenção extra. Quando hospitalizadas, tiveram os seus direitos revogados”, recordam, na introdução do relatório, os pediatras Ana Lacerda e Luís Januário.
Passada a fase inicial de uma doença da qual se ignorava a dimensão e que terá justificado a adoção de medidas “claramente exageradas”, agora “a resposta tem de ser balanceada e focada em grupos de maior risco”.

Hoje sabe-se que “as crianças têm uma taxa de infeção mais baixa do que os adultos (representando 1-2% dos casos)” e que, quando infetadas, “muitas ficam assintomáticas ou têm doença ligeira”. Além disso, de acordo com aqueles dois pediatras, os internamentos e as formas graves rareiam e ocorrem sobretudo em “crianças com comorbilidades ou medicamente complexas.”

O presidente da comissão alerta, por isso, que a escola, a atividade física, os tempos livres, o contacto com a família, “a saúde para lá da covid-19, não podem ficar reféns de uma sociedade militarizada contra a pandemia, de profissionais de saúde, instituições e recursos unicamente mobilizados para essa tarefa.”

Gonçalo Cordeiro Ferreira refere ainda que os hospitais, sobretudo quando acolhem grávidas, crianças e adolescentes “não podem ser bunkers, em que medidas sanitárias radicais e desnecessárias fazem encolher princípios de humanização de cuidados que foram sacrificados com uma leveza que surpreende”.

A pediatra Alexandra Dinis, por exemplo, questiona a validade de sujeitar as crianças a sucessivos testes de diagnóstico, dando o exemplo de “crianças internadas e já testadas, mesmo em internamentos de longa duração, e nalguns casos desde o seu nascimento, que são sucessivamente testadas, sendo frequente nas situações de doença crónica complexa encontrar crianças com 4, 5 e mesmo 6 ou 7 testes”.

“É prioritário assegurar e manter cuidados humanizados, apoio escolar e social, terapias e reabilitação”, refere a pediatra, lembrando a “triste imagem nas enfermarias dos ursinhos de peluche dentro de sacos de plástico”.

A Comissão Nacional da Saúde Materna, da Criança e do Adolescente é um órgão de consulta da Direção-Geral da Saúde. Dos 27 especialistas em áreas da Saúde que integram a comissão, seis são de Coimbra: os pediatras Alexandra Dinis, Maria Gabriela Mimoso e Luís Januário; a pedopsiquiatra Maria Laureano; a diretora do serviço de Obstetrícia B, Maria do Céu Almeida; e a médica dentista, especialista em Odontopediatria, Maria Teresa Antunes de Azevedo Xavier.

 

 

Leave a Reply

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

*

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.