Opinião: Na política e no amor, a lógica é uma batata

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Já todos gritámos o famoso adágio popular para nos livrarmos dos insuportáveis conselhos de um qualquer Grilo Falante. Animalejo irritante, racional e frio, avesso a estouvamentos e fantasias, este Grilo não canta e muito menos encanta, antes guizalha, tritina, cricrila, estridula, e aconselha a sensaborona prudência, tão contrária à natureza do amor.
E, hoje, num tempo de afectos pós-modernos, gerados por relações matematicamente perfeitas, o amor resume-se a uma decisão pragmática, porque dá jeito e é mais barato, como diz o Miguel Esteves Cardoso, “Por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria”. Umas poucas vantagens para tão grandes enfados!
Cruz-credo!
Às urtigas com o maldito Gafanhoto e mais a ordem, a lógica e a razão! Vivam a emoção, a loucura e o arrojo! Vivam o amor, o atrevimento e a fantasia! E vivam até os desenganos que o amor nos deixa! Nunca ter desilusões no amor é regalia dos imbecis e, por isso, antes mil vezes desiludidos que nunca encantados!
Para falar de amor, basta ler Camões, Vinicius e Bukowski, ouvir Amália, Serge Gainsbourg e Mazzy Star, ver O Amor de Perdição, Casablanca e A Cidade dos Anjos, tanto faz; para falar de amor, todos os caminhos são rectos e óbvios.
Para amar o trilho é outro, traiçoeiro e extasiante, exige coragem e até uma pitada de desvergonha. É preciso esquecer aqueles mesmos escritos, deslembrar todas as músicas e outros tantos filmes, repudiar elaboradas considerações dos mais conceituados ensaístas, ignorar todos os motivos racionais e ponderados para não sucumbir àquela pessoa e, sim, atender à única razão, irracional e imprudente, que nos faz amá-la, porquanto a lógica, no amor, é mesmo uma batata, uma valentíssima chatice carregadinha (ainda por cima) de amaldiçoados hidratos.
E nenhum tubérculo, mesmo que enfeitado pelas mais doutas razões, poderá por uma vez provocar as tão apetecidas borboletas no estômago e nem competir com a magia do sorriso do outro, ao vivo ou na versão ‘emoji’ dos tempos modernos. Uma batata será sempre uma batata, desenxabida e insonsa, tanto quanto a Lei da Paridade e as suas famosas quotas, cujo alargamento foi agora aprovado pelo Parlamento, aumentando a pouco e pouco a participação das mulheres na vida política, assim por decreto, igualmente insípido e desconsolado.
Até agora, a regra era simples, uma mulher em cada três lugares. E, assim, a quem, como eu, quisesse participar na discussão pública por direito próprio, bastava rejeitar o 3.º lugar em qualquer lista (e todos os seus múltiplos, já se sabe), em troca do lugar seguinte ou do anterior, à vontade de cada freguês. Pois bem, a partir de 2020, esta estirpe de feministas, mulheres que se queiram consideradas exclusivamente pelo seu valor, e não como meros exemplares do quinhão feminino, terão as contas dificultadas, serão 4 em cada 10 doravante.
Neste Dia dos Namorados, dispenso estas panaceias, supérfluas e enganadoras, a lembrarem o bilhete-postal da praxe, um pãozinho-sem-sal. Do que eu gostaria, hoje, para celebrar o amor e a valentia de São Valentim, condenado à morte por ter desobedecido às ordens do imperador que proibira a celebração de casamentos durante as guerras, era que criássemos condições para que as mulheres pudessem participar na vida pública sem remorsos nem culpas. E que bom seria que nós, mulheres, pudéssemos dispensar as quotas que asseguram a nossa tímida participação na vida colectiva e não precisássemos de nos acanhar publicamente…
Salários iguais e tempos livres conformes!? Esses, sim, seriam a prova de um amor verdadeiro. À séria, como se diz na capital.

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