Em memória do meu avô materno (I)

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”Preserve-se a memória dos indivíduos para se construir
uma memória colectiva, que sirva para as gerações seguintes
as compreenderem e estudarem, nas suas variadas nuances,
transformações, vitórias e frustrações” (Heloísa Paulo)

O motivo em retardar a publicação deste meu texto residiu no facto de vencer um certo pudor em me tornar, de certo modo, juiz em causa própria, encontrando, todavia, suporte inquestionável para o fazer na citação em epígrafe de Heloísa Paulo, pesquisadora do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra.
Em remorso tardio, abalanço-me, portanto, agora, em testemunhar o exemplo, de vida de meu avô materno, José Pereira da Silva , de que eu, Rui Vasco Júlio Pereira da Silva, não herdei fortuna que a não possuía em fim de vida ao serviço da “res publica”, mas dois apelidos que faço por honrar. Foi ele um civil deportado político, por ter participado de armas nas mãos na fracassada “Revolução do Porto de Fevereiro de 1927”, liderada pelo General Sousa Dias cujo desaire se ficou a dever, em parte, “às hesitações e à abstenção de muitos cúmplices no momento de ‘sair à rua’, deixando sempre grandes áreas na obscuridade. Muito provavelmente, só a vitória poderia ter revelado a verdadeira dimensão do reviralho” ( Luís Farinha, “O Reviralho, Revoltas Republicanas contra a Ditadura e o Estado Novo”, Lisboa: Estampa, 1959 ).
Contava-me minha mãe que só lhe foi possível despedir-se na véspera do degredo do pai, preso incomunicável na Penitenciária de Lisboa, por influência de um aristocrata, amigo da família, o 3.º Marquês de Ficalho. Nessa antiga colónia portuguesa, onde a morte por paludismo e outras doenças tropicais era uma ameaça constante, cumpriu dura e desumana pena e aí viveu, tendo falecido nonagenário em Benguela no dia 25 de Novembro de 1973, quiçá por ironia do destino, cinco meses antes da data de 25 de Abril de 1974!
Dessa herança genética, de que muito me orgulho, sem fortuna adquirida nas vias tortuosas da falta de vergonha política ou de outra natureza pecaminosa, reitero a sua condição de cidadão probo e honesto que sacrificou, em nome dos seus ideais, família, posição social, fortuna, e que quando chegou a hora de prestar contas como um dos revoltosos do Porto – já dizia Brunnus: “Vae victis” – foi condenado a uma longa e desumana pena de deportação para Angola, pertencendo ao contingente das 700 pessoas, “que a 21 de Fevereiro, sem julgamento foram deportados para os Açores e colónias africanas a bordo do navio Lourenço Marques”.
E porque a história, como é uso dizer-se, se repete, mas nem sempre os bons exemplos encontram eco num tempo em que a política hoje, por vezes, se transformou numa espécie de profissão de medíocres e gananciosos que enriquecem à custa do erário público por, como escreveu Eça, Portugal continuar a ser vítima da bonacheirice, a relassa fraqueza que nos enlaça a todos nós Portugueses, nos enche de culpada indulgência uns para os outros”. E se o leitor virtuoso, por ventura, encontrar exagero nesta minha análise é por não ler os jornais em que os crimes de políticos e da alta finança se amontoam nas páginas diárias dos jornais e nos écrans televisivos.

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