Opinião: A preparar o futuro: quanto mais iletrados, mais controlados

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Paulo Simões Lopes

A DGEEC publicou indicadores do legado de Nuno Crato, o chamado “pior ministro da educação desde o 25 de abril”, que indicam que as “taxas de retenção” (chumbos), numa série de 16 anos, atingiram o mínimo em 2015/16, em todos os níveis do ensino. A estes resultados pode somar-se uma “taxa de abandono precoce de educação e formação” [abandono] em 2015, foi de 13,7%, quando a tinha herdado, em 2011, a 23% e, entre outros, ainda a progressão efetiva nas avaliações internacionais, expressas no PISA 2015 (pela primeira vez acima da média da OCDE) e no TIMMS 2015 (há 20 anos Portugal ocupava a antepenúltima posição e agora o 13º lugar em 49 ).

Curiosamente, os seus opositores ignoram este sucesso e reclamam os resultados como uma opção desmesurada pela “destruição da escola pública”, servida pela “avaliação externa” (exames), qual “experiência traumatizante” a que são sujeitos os alunos. Por isso, decidem começar a eliminar a avaliação, antes e ao invés de reformular os processos que produzem as competências a ser avaliadas – ou, de outro modo – sem alterarem a “fábrica de alunos” formatada e orientada para a avaliação quantitativa, alteram as regras de avaliação!

Por esta altura o INE também apresentou a taxa de [abandono] de 2016. Ficámos a saber que aumentou +0,3% relativamente a 2015 e é agora a 4ª mais alta da Europa, numa das monitorizações da estratégia Europa 2020, podendo colocar em risco a nossa meta de 10% do programa “Horizonte 2020”. Esta variação marginal não deve ser ignorada, pois representa mais 2.300 adultos entre os 18 e os 24 anos que deixaram de estudar sem completar o secundário.

Talvez por isto e sem cuidarem da verdadeira preocupação das famílias, que ignoram a cosmética e se preocupam com o “grau de conhecimento” dos seus filhos, o Ministério deu orientações às escolas para passarem os alunos, independentemente do número de negativas. É o regresso às passagens administrativas, embora Tiago Brandão diga que é tudo uma má interpretação do n.º 2 do artigo 21.º do Despacho 1-F/2016, de 5 de abril: “A decisão de transição para o ano de escolaridade seguinte reveste caráter pedagógico, sendo a retenção considerada excecional”. Independentemente da interpretação, reafirmo que a lógica da avaliação subjacente à transição de ciclo não pode nem deve ser desprezada!

Já neste mês, pelo Despacho 5908/2017, também do Gabinete do Secretário de Estado da Educação, sobre o “projeto de autonomia e flexibilidade curricular dos ensinos básico e secundário”, ficámos a saber que “O cidadão de sucesso é conhecedor, mas é também capaz de integrar conhecimento, resolver problemas, dominar diferentes linguagens científicas e técnicas, coopera, é autónomo, tem sensibilidade estética e artística e cuida do seu bem-estar”. Afinal, Nuno Crato e Tiago Brandão partilham o mesmo objetivo, existindo somente uma diferença na forma como o atingem.

Esta minha preocupação foi bem expressa por Einstein: “o único lugar onde sucesso vem antes de trabalho é no dicionário”. Parece-me até uma frase carregada de ironia, tanto mais que na língua materna do seu suposto autor, “arbeit” (trabalho) vem primeiro que “erfolg” (sucesso). Ora, inverter esta ordem é iludirmos os nossos jovens a seguirem no caminho da iliteracia, com uma visão diminuída do mundo, convencidos que adquirem aptidões, até descobrirem que não as têm e que não vão ter as oportunidades prometidas.

Sobre este ponto, Nuno Crato não vai continuar a falar sozinho, porque “não há uma fatalidade social. Muito pelo contrário. A exigência no ensino é a grande oportunidade dos socialmente desfavorecidos” e o que determina o “cidadão de sucesso”. Resta saber se como cidadão autónomo ou como individuo descartável, o que nos leva de volta ao título deste texto.

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