Opinião: Do amor bem pensado e melhor cantado ao ódio opinado sem razão

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Joaquim Amândio Santos

Adoro uma boa canção de amor. Profunda, bem estruturada, com um poema sólido, intenso e realmente construído sob a égide plena dos favores exclusivamente provenientes de musas.

Ainda mais quando a sua interpretação toca as raias da perfeição.

Por isso, parabéns ao Salvador e à Luísa Sobral pelo talento e pela doce coragem de serem tanto autênticos. A sua canção e as suas carreiras merecem muito mais do que apenas a Eurovisão.

Não receio minimamente que a minha nota de abertura desta crónica possa parecer um desabafo lamechas, capaz de ser catalogado junto de uma qualquer corrente com fotos de gatinhos fofos ou golfinhos cor-de-rosa pulando em águas brilhantes ao pôr-do-sol, acompanhados de frases inócuas em letra curva e artística, desafiando as redes sociais a mais uma corrente, pugnando por milhares de comentários profundos, algures entre o “amei, viu?!” e o “amén, Deus o guarde!”.

Não é que o Festival da Eurovisão saia agora redimido de ser casa (pouco) espiritual de um conceito de música(?!) reservado a gigantescos concursos anuais de escalada de decibéis, debitados em inglês maioritariamente assassinado no sotaque e na gramática, enquanto em palco, fogo-de-artifício e iluminação se digladiam com fervorosos movimentos a que chamam coreografias e que nos remetem para o imaginário dos desenhos animados de Tex Avery, ou nos cria expectativa de que tudo aquilo vai acabar num qualquer Serviço de Ortopedia.

Mas entende-se a existência de um festival assim, nem que seja porque tenha acontecido uma lobotomia generalizada a nível global.

Talvez essa seja mesmo a única razão possível que justifique as audiências colossais acumuladas, ano após ano, e que vão justificando as faturas também gigantescas que cada país assume para organizar a festa.

Nesse ato cirúrgico simbólico reside também muito do raciocínio (leia-se falta dele…) que preside a uma boa parte das intervenções assumidas nas redes sociais.

Uma das últimas “pérolas” coletivas lusitanas nasceu da partilha generalizada de um excelente artigo escrito pelo jornalista Manuel de Lorenzo, no jornal El Español, a 15 de Maio.

Num texto onde a ironia se junta à metáfora, Lorenzo “acusa” Portugal de ter feito “batota” ao não apresentar um karaoke foleiro e, em vez disso, subir a palco com uma canção bem escrita e melhor cantada. Acrescenta que somos uns malandros por levarmos a música a sério e ganharmos. O texto é um elogio tão belo quanto merecido pela canção e pelo Salvador.

Mas, nas redes sociais, tocaram sinos a rebate e vociferantes hordas de comentadores lusitanos atiraram-se ao inimigo castelhano, lembrando a falta de bons ventos ou bons casamentos vindos do lado de lá e a dor de coto que os nossos vizinhos sentem pelas muitas Aljubarrota onde lhes malhamos forte e feio.

Mesmo alertados por algumas almas, caridosas e esclarecidas, para a ironia e para o profundo elogio contido no texto, a coisa continuou e, por vezes, escalou para o insulto aos corretores, esses “traidores da pátria” a defenderem o espanhol!

Em nada fico feliz com o que daqui podemos concluir:

Que poucos realmente leem até ao fim antes de comentarem ou partilharem tópicos online.

Que são ainda muito menos os que têm o cuidado de verificar proveniência e credibilidade do que se publica por aí.

Que uma boa parte executa a sua arte de criticar tudo e todos, aproveitando para espancar violentamente a gramática portuguesa.

Resumindo, que escárnio e maldizer virou desporto coletivo por estas bandas, fazendo dos teclados uma espada sempre em busca de sangue.

Ora quero crer que “Amar pelos Dois” e os manos Sobral mereciam que, pelo menos, não despendêssemos tanto tempo a “Odiar Muitos”, a “Odiar por Tudo e por Nada”.

Se a inveja nos mata, vamos lá acreditar que o Amor nos liberta.

Nem que seja nessa canção perfeita.

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