Opinião – Do lápis azul ao marcador amarelo

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Gil Patrão

Gil Patrão

Quando o país era a preto-e-branco, parecia tudo mais fácil de entender, mesmo quando não se percebia a essência do que então acontecia. Os tempos da ditadura arrumavam coisas e pessoas com base em processos elementares, do tipo quem não está por nós está contra nós, se não queres ser lobo não lhe vistas a pele, e havia delitos de opinião e censura prévia ao que se dizia.
É que data desse tempo algo que os mais jovens nem saberão que sucedia diariamente ao longo do país, onde escribas, lacaios dum governo autocrático, e de lápis azul na mão, censuravam o que se escrevia, caso parecessem críticas, veladas ou não, a um regime torpe que para favorecer uns poucos sacrificava gerações inteiras, pelo despotismo de quem governava “A bem da Nação”, como o Estado outrora escrevia, no mais elementar ofício que dirigisse a qualquer um.
Entretanto, não só o mundo continuou a mudar, como entre nós o dia se fez colorido pelos muitos cravos que, dos pouco rosados aos do mais intenso escarlate se caldearam aos azulados, laranjas e amarelados. Foram anos de delírio, em que a profusão das cores com que o país se engalanou, rivalizou com as mais luxuriantes paisagens, e tonificou a ingénua esperança de que a pluralidade colorida nunca mais desapareceria da nossa panóplia política. Puro e ledo engano!
Hoje, o país permanece desigual demais, mas as diferenças políticas pouco vão além da cor, das esquerdas carmins, que abominam tudo o que cuidam ser assomos neoliberais, a uma direita tão desmaiada que se confunde com o centro, onde se amalgamam tantos dos que não têm uma cor bem definida. E continuamos a ver casos políticos, sociais, e outros que nem públicos são, a ser tratados na praça pública por alguns jornalistas que ainda se arrogam o direito de julgar os que pensam que não seguem os antigos trilhos duma tão gasta como antiquada revolução dos cravos.
Hoje, a liberdade de expressão não tem censura, podendo-se criticar, ignorar ou aplaudir o que alguém diga de modo singelo, de forma elaborada, e até muito sabida, mas devia haver maior contenção da parte de quem não diz e partilha o que sente, mas utiliza a internet, tantas vezes de forma anónima ou encapotada, para denegrir, e até insultar da forma mais rude, quem expressa desassombradamente opinião própria, sem dissecar atentamente razões e argumentação exposta.
No país há os crava do costume, dos que com manigâncias políticas ganham milhões à conta do Estado aos que, nas juventudes partidárias, cedo são moldados por caciques politiqueiros, com absurdos freios e horrendas baias políticas, para desvanecer ideias de imprescindíveis consensos políticos, e prevenir que futuros líderes sonhem demolir arcaicos guetos de interesses políticos…
E continua a haver políticos que escrevem em periódicos e falam nas televisões em programas de análise política (e de futebol!), podendo até ser por isso que alguns deles são eleitos… E hoje parece moda, após passarem pelo crivo da governação e pelo escrutínio das suas vidas pessoais pelos jornalistas, alguns deles escreverem livros a denunciar o estado de governação mundial, europeia, e até nacional, se lhes der jeito; a revolução fez evoluir o país, e é pela liberdade de opinião que nos trouxe, que hoje posso dizer que nunca admirei um, que foi primeiro-ministro!
Ah!… E não aprecio marcadores amarelos a sublinhar artigos de opinião… Mas prova de que um tão especial marcador amarelo nunca será lápis azul de censura, é neste preciso momento estar a ler despretensiosas opiniões pessoais, sobre o que se tem passado num país deveras assombroso!

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