Opinião – A velha senhora abandonada

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Norberto Pires

Norberto Pires

Durante este período natalício passeei um pouco pela baixa de Coimbra. Está vazia, moribunda, fechada ou a fechar, sem dinâmica, não se vislumbra uma estratégia pública, digna desse nome, que resgate a baixa da cidade de Coimbra do abandono a que está aparentemente condenada. Falando com comerciantes, todos eles muito desanimados, percebo um deles a dizer: “nunca tive uma época natalícia tão má”. Na verdade, o que me vem à cabeça depois de andar pela cidade é abandono, queda, falência e muita ausência de estratégia.
O problema da baixa da cidade de Coimbra, e da própria cidade, é a sua relação com o presente e, por isso, com o planeamento do futuro. Vivemos todos um pouco no passado e do passado. E se é verdade que não há futuro sem passado, também é verdade que viver com os olhos no passado, como se não houvesse presente e sem ter ideias claras sobre para que lado é o futuro, tem como consequência aquilo que todos estamos a observar: uma velha senhora com um passado grandioso, mas triste, velha, falida e abandonada, de que todos gostamos muito e que visitamos, de tempos a tempos, quando a saudade aperta. Mas que não faz parte do nosso dia-a-dia, da nossa rotina, que não aparece na nossa cabeça quando precisamos de um serviço, de um produto, de um local para uma conversa ou para um encontro, quando precisamos de encontrar novidades, ou quando o objetivo é só mesmo passear, ou caminhar e encontrar e ver pessoas, procurar animação, encontrar motivos de distração, ver vida, ver e sentir o movimento, sentir o pulsar de uma cidade e o fervilhar de atividade dos locais cujo presente está vivo e é a grande razão da esperança renovada que temos no futuro. Todos procuramos esses locais que nos fazem sentir bem, e até nos deixamos enganar pelas imagens (artificiais digo eu) de outros locais cujos promotores perceberam essas necessidades e as desenvolvem como forma de nos atrair.
Não sei qual é a resposta, não está na ponta da língua, nem a tenho pensada em detalhe: não tenho certezas. Vejo a realidade sem lentes coloridas, não me deixo cegar pelo brilho do passado, não tenho medo das palavras, nem de as dizer, ouço os lamentos, observo estratégias noutras cidades portuguesas e estrangeiras e percebo como resultaram e o tempo que demoraram a realizar e tornar uma realidade com capacidade de transformar o presente. Olho para as potencialidades, comparo com a decadência visível, e também me admiro com o presente por ter a ideia de que podia e devia ser muito diferente. Mas a verdade é que se calhar não fazemos o essencial para que o presente seja, de facto, melhor. Há um traço comum em todos as cidades ou regiões que foram capazes de se reinventar: a capacidade de ultrapassar sombras e egos e coordenar, numa estratégia comum, as potencialidades da cidade ou região tendo em mente objetivos partilhados devidamente debatidos e assumidos. Isso permite uma linha de ação constante no tempo que orienta a intervenção de cada um, os investimentos que se tornam possíveis, a coerência da intervenção das várias instituições políticas, económicas e sociais, e uma certa pro-atividade que tem então objetivos concretos e métricas bem assumidas que permitem priorizar e dar dimensão estratégica a projetos, investimentos e intervenções, mas também avaliar os resultados obtidos e a ação de cada um.
A isso chama-se planeamento e coordenação. Será isso possível em Coimbra? Não sei, penso que não, porque são demasiadas as sombras, demasiados os egos e demasiado grande o número de pessoas importantes que têm a sua instituição que é independente de todas as outras. Mas se posso desejar algo, eu desejaria que Coimbra fosse capaz de inovar na forma como se organiza e se gere, realizando os mecanismos de participação cívica da população e de coordenação das várias instituições, debatendo com realismo o que quer ser, como quer ser, como o vai financiar e como vai coordenar a sua realização.

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