Opinião – Viagem artística pela Orquestra dos Antigos Tunos

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Virgílio Caseiro

Virgílio Caseiro

A Música, enquanto arte e ciência, pode ser observada e desenvolvida de formas díspares e diferenciadas, saindo de patamares de exploração simples e ingénuos e podendo progredir até estádios de superlativa complexidade.

Desde fruições meramente lúdicas ou funcionais, até intervenções terapêuticas direccionadas ou especulações estéticas e estésicas intensas, que (muito para além da simples recepção ou actividade auditiva), possam intervir na modificação comportamental individual ou colectiva social, contribuindo para a modelação do perfil dos cidadãos e sua salutar movimentação em todo o tecido estrutural orgânico cultural, político, económico e moral.

Por isso hoje se entende a Música como factor determinante na organização de qualquer carga curricular académica e se entende ainda ser esta de capital importância para o sério desenvolvimento personalizativo e equilibrada convivência multidisciplinar. Sinteticamente se diria que hoje não pode haver organização curricular sem expressões e dentro destas, sem a música, pela força que esta tem no desenvolvimento harmónico das capacidades e sua transformação em funções.

Esta sinóptica abordagem dos mais importantes parâmetros de desenvolvimento conseguidos, cognitiva, afectiva e motoramente pela música, introduzem-nos de imediato na problemática deste pequeno texto.

Sendo a OAT (Orquestra dos Antigos Tunos) constituída por antigos alunos da Universidade de Coimbra, poderia parecer, à partida, que se estaria perante uma população com todos estes pressupostos adquiridos! Contudo e por força dos seus escalões etários diferenciados, mas muito próximos, isto não é verdade! Só há muito pouco tempo a Música foi reconhecida como matéria curricular genérica obrigatória! E quando isso aconteceu, já todos eles por esse currículo tinham passado, sem dela (a música) ter beneficiado.

Por outro lado as Universidades, intocáveis na carga erudita que ministram, pouca ou nenhum importância dão à carga cultural paralela que todos os alunos necessariamente deveriam ter. Continuam, ainda hoje, a sair das nossas universidades pessoas superiormente formadas em erudição específica, mas altamente ignorantes em cultura geral “protectora”!

Em Coimbra, contrariando esta norma, e desde finais do século XIX que paralelamente à Universidade tem vindo a existir uma importantíssima organização extra curricular, chamada Associação Académica de Coimbra e que tem tido um persistente papel complementar cultural e desportivo junto das populações estudantis. Foi no seu seio que, no século referido, foram criados dois organismos musicais de uma incontestável importância formativa: a Tuna Académida e o Orfeon Académico.

Descendente da primeira destas duas e há 25 anos criada, existe a OAT que persistentemente tem vindo a criar a possibilidade aos antigos alunos universitários de levarem por diante a sua prática instrumental, a sua convivência fraterna e perenizada e o seu gosto de conviver e manterem a sua jovialidade irreverente! Foi abarcado por esta verdade, afectivamente envolvente, e ainda mais intensa por eu próprio ter sido, a seu tempo, tuno, que cheguei à regência e direcção artística da OAT.

De imediato me apercebi das grandes dificuldades que me estavam a ser lançadas ao assumir tal projecto: primeiro pelo trabalho grandioso e muito consciente que os meus anteriores colegas tinham conseguido desenvolver, dando a OAT uma personalidade artística muito vincada e interventiva nas populações académicas e “futricas”, sendo um agrupamento de referência qualitativa artística na cidade e até já no país; segundo, porque o enquadramento amador de todos os elementos desta orquestra (profissionais em outras áreas científicas) lhes não permitia um contacto diário com os seus instrumentos, fundamental para a mestria e domínio que o reportório lhes exigia!

Juntos fomos caminhando com exigências e mútuas concessões, todas elas determinadas por uma afectividade consciente, e seguros dos objectivos que pretendíamos atingir. Um sorriso aqui, uma palavra mais forte, mais à frente, mil repetições da mesma frase, para compensar o não estudado em casa, um “bravo” logo a seguir, pelo prazer colectivo de uma excelente performance, foram o constante guião que, ensaio após ensaio, nos foram conjuntamente modulando, aceitando, respeitando e compreendendo! Os anos passaram e os concertos vieram! A felicidade do seu sucesso e a positividade das críticas tornaram-nos, felizmente, mais vaidosos e muito mais fraternos. Foram anos de profunda e imensa dedicação emocional! E ao longo desses cerca de 5 anos, em cada cadeira onde a princípio estava um instrumentista, se foi sentando um Amigo! Que felicidade poder ter tido o privilégio de com tais Homens poder ter trabalhado!

Obrigado OAT, por tanto me terem dado!!!! Tudo o que por vós ainda hoje possa fazer, nada é, comparado com o que graciosamente e dia a dia, fui colhendo da vossa inultrapassável generosidade!!!

(Texto à memória da minha passagem como maestro pela Orquestra dos Antigos Tunos)

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