Opinião – Modernidade no Átrio dos Gentios de Assis e na voz profética da “Sibila do Reno”

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Manuel Augusto Rodrigues

Os dias 4 a 7 do corrente ficam marcados por vários eventos relevantes: a 4 evocou-se a memória do Poverello de Assis, a 5 e 6 tem lugar mais um encontro do Átrio dos Gentios e no domingo o Papa Bento XVI proclamará Santa Hildegarda de Bingen doutora da Igreja, juntamente com S. João de Ávila. Também no mesmo dia será inaugurado o Sínodo dos Bispos em vésperas do 50.º aniversário do Concílio Vaticano II e da abertura do Ano da Fé e da Nova Evangelização.

Assis, a terra de Francisco e de Clara, vai agora receber mais uma etapa do programa Átrio dos Gentios (à entrada do templo herodiano de Jerusalém havia uma área reservada aos gentios e não crentes). Com o Átrio dos Gentios pretende-se criar um espaço neutral de encontro entre crentes e não crentes com a abordagem de temas actuais e altamente interpelantes em tempo de modernidade.

O tema escolhido para Assis é este: “Deus este Desconhecido” e será desenvolvido por um diálogo entre o presidente Giorgio Napolitano e o card. Ravasi e por uma série de intervenções deveras actuais. Bento XVI afirmou um dia: “Penso que a Igreja deveria também hoje abrir uma espécie de Átrio dos Gentios onde os homens possam de qualquer maneira contactar-se com Deus, sem o conhecerem e antes de terem encontrado o acesso ao seu Mistério, serviço que está ao cuidado da vida interna da Igreja. Ao diálogo com as religiões deve hoje juntar-se sobretudo o diálogo com aqueles para os quais a religião é uma coisa estranha, aos quais Deus é desconhecido e que, todavia, não desejariam permanecer simplesmente sem Deus, mas aproximar-se dele pelo menos como Desconhecido”.

Numa época caracterizada pela crise da invocação, existe a questão radical sobre Deus. Ele interroga ao mesmo tempo o crente e o não crente, chamados a purificar a própria fé de toda e qualquer posse idolátrica de Deus, e chamados também a respeitar a fadiga do não crente no relacionar-se com um Mistério ao qual não sabe dar um nome e um vulto; e pedindo ao não crente que abandone qualquer atitude de suficiência e arrogância em relação com o Divino, e que respeite o cansaço do crente que vive a própria fé não idolátrica num Deus que sempre continua a ser um Mistério. (…)

É neste contexto franciscano que no próximo domingo o Papa Bento XVI proclamará Hildegarda de Bingen doutora da Igreja, juntamente com S. João de Ávila. Trata-se de um título raro e solene que é atribuído aos santos que pela sua vida e pelos seus escritos iluminaram a doutrina católica. Entre as mulheres contam-se Teresa de Ávila, Catarina de Siena e Teresa de Lisieux.

A célebre mística renana nasceu em 1098 e faleceu em 1179. Devido às suas muitas profecias como abadessa do mosteiro de Rupertsberg junto a Bingen, nas margens do Reno, ficou conhecida pelo epíteto de “Sibila do Reno”. Foi então que começou a escrever as suas visões. As suas visões místicas, ricas de conteúdos teológicos, referem-se aos principais acontecimentos da história da salvação, e utilizam uma linguagem principalmente a poética e a simbólica.

No “Scivias” (“Conhece os caminhos”). Numa carta a S. Bernardo confessa: “A visão envolve todo o meu ser: não vejo com os olhos do corpo, mas aparece-me no espírito dos mistérios…Conheço o significado do que se encontra no Saltério, nos Evangelhos e nos outros livros, que me são mostrados na visão. Esta queima como uma chama no meu peito e na minha alma, e ensina-me a compreender profundamente o texto”.

É autora ainda de outros livros importantes como o “Livro dos méritos da vida” e o “Livro das obras divinas” em que como pensadora não clerical revela um invulgar talento. Além de mística, teóloga e pregadora, foi poetisa e compositora talentosa, deixando uma obra de enorme vulto e muito original. Também fez muitas observações sobre o mundo da natureza, em especial das plantas medicinais. A sua vida e obra têm merecido uma atenção crescente desde a segunda metade do século XX e os seus escritos começaram a ser traduzidos para várias línguas. Muitos livros e ensaios já lhe foram dedicados e multiplicam-se gravações musicais suas.

Foi consultada por pessoas gradas do seu tempo (…) e não poupou críticas severas aos papas e ao clero e aos governantes. Hildegarda, como outras grandes mulheres, imprimiu com a sua fina sensibilidade feminina e grande originalidade uma nova forma de interpretar a tradição cristã, propondo uma metodologia própria em ordem a uma ligação do homem com Deus e com a natureza, mais rica, espontânea e valorizada pelo sentimento e pela ideia do belo.

A evocação de Hildegarda, no contexto dos eventos referidos para estes dias e da actual modernidade secular e secularizante constitui um suave bálsamo a alertar para a descoberta da alma e da sua anatomia e uma bússola das vias sempre finitas para o Mistério do Infinito. Representa ainda um importante sinal da valorização da mulher e do seu papel na renovação da sociedade e da Igreja.

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