Opinião – Recordar e recrear

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José Pedroso de Lima

Recordando uns bons anos atrás, lembro-me, que quando dava aulas e olhava para os meus alunos, às vezes pensava para comigo: será que estes jovens sentem por mim aquilo que eu sentia quando estava na posição deles e ouvia alguns dos Professores que mais admirei como o Prof. Mário Silva, ou o Prof. Almeida Santos, ou o Prof. Carlos Chagas, ou tantos outros?

Acho que terei sempre dúvidas a meu respeito sobre este ponto.

Recordo-me de acontecimentos que criaram os sentimentos de respeito que tenho por estas personalidades.

O meu contacto com o Prof. Mário Silva não foi como aluno, foi em circunstâncias algo especiais.

Depois da lamentável demissão política, foi o Prof. Mário Silva obrigado a aceitar o lugar de vendedor de material científico da Philips.

Nessa altura, princípios da década de sessenta, a electrónica era uma das minhas actividades mais importantes.

Além de Investigador na Faculdade de Medicina e Assistente na Faculdade de Ciências e Tecnologia, eu trabalhava depois das cinco da tarde no Centro de Electrónica do Laboratório de Física, onde se fazia a manutenção e se construíam equipamentos para as aulas e para a investigação do Laboratório.

Fui então procurado pelo Prof. Mário Silva.

Começava a ter problemas com o material científico que ia vendendo. Avarias, alterações, calibrações, etc., que necessitavam de ser efectuadas, algumas das quais requerendo experiência.

Ele era um eminente teórico e não tinha, obviamente, que ter experiência em electrónica prática.

Perguntou-me então se eu o ajudava a resolver estes problemas.

Respondi-lhe afirmativamente e, na sequência da conversa, acabei por pôr a condição de não receber dinheiro algum.

Afinal tratava-se de um jeito entre “colegas”. Acho que esta imagem fazia imenso bem ao meu ego!

O Prof. Mário Silva não queria aceitar, protestou, mas acabou por ceder após alguma insistência minha.

Começou então a aparecer periodicamente com aparelhos avariados para eu consertar.

Era sempre ao fim da tarde e ele ficava ali sentado enquanto eu tentava resolver o problema.

Sentia-se na obrigação de ficar e então, com aquele seu estilo inesquecível, contava-me coisas da História da Ciência, da Física, da sua estada em França…

Ajudava-me a responder às perguntas que ele próprio me fazia sobre as acções que eu executava nos equipamentos, pois acabava por ter sempre coisas teóricas a acrescentar ao que eu dizia.

Passei a desejar ter aparelhos para consertar do Prof. Mário Silva, só para o ouvir e hoje acredito que foi o trabalho mais bem pago que tive em toda a minha vida.

O Prof. Mário Silva não devia saber deste meu sentimento pois, sem dizer nada, um dia comunicou-me que me tinha arranjado um estágio pago de electrónica nuclear no “Philips International Institute” de Eindhoven.

Fui um dos primeiros alunos portugueses deste Instituto.

Aquele ano e pouco, com meia dúzia de consertos de aparelhos, algumas horas de preciosos ensinamentos e a generosidade do saudoso Professor, acabaram por ser um marco na minha própria carreira.

Mas, para além de tudo isso, há um outro aspecto que me faz admirar ainda mais aquele professor e me faz pensar em certos iluminados dos dias de hoje que falam sobre todos os assuntos, os que sabem e os que nunca virão a saber, sem nunca se calarem, como se o “acho que…” repetitivo, que vão usando, fosse um filtro mágico para o efeito negativo que as suas ocas opiniões poderão produzir.

A atitude de uma personalidade científica de mérito confirmado que, reconhecendo a sua falta de preparação numa determinada área, solicita apoio a um jovem principiante, é exemplar e cabe à medida no espírito das Lojas de Saber… como lição magistral de humildade e de compreensão da natureza humana…

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