Ressonâncias

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Aires Antunes Diniz

Os poetas estão onde menos se espera. Encontrei isso em Torre de Moncorvo, agora desencravada do seu tradicional isolamento, onde um antigo estudante, resonhando os seus tempos de boémia, escreveu:

“Coimbra! Vibram cordas de oiro e prata

em ressonâncias de alma, em consonância

de rouxinóis, suavíssima volata

no ar de seda e mística fragrância.” 1

Poucos dias antes de ter encontrado estes versos, tinha percorrido rapidamente os quilómetros, que separam esta vila da minha aldeia, para ir consultar o espólio científico do professor Joaquim Rodrigues dos Santos Júnior, que é uma manancial inesgotável de informações científicas e sociais, pois foi também professor de Sociologia na Universidade do Porto. Na pesquisa na internet descobri que não tinha nascido em Moncorvo. Contudo, aqui viveu na Quinta da Judite e aqui quis deixar o seu acervo bibliográfico e epistolar. Outro, prócere do Estado Novo, Águedo de Oliveira, aqui nascido, só esteve meia hora num dia de 1952, abandonando-a ao seu isolamento como “bom financeiro”, que se esquecia do real quando lhe convinha.

Infelizmente, vivemos tempos de restrições desnecessárias, que impõem impossibilidades de fruição dos bens culturais e por isso fui ao Porto no Dia da Europa protestar contra as portagens, que enquistam o interior e nos separam a todos da Europa com que nos vamos integrando. E tudo isso tem ressonância no nosso pensar do futuro.

No meio da demonstração de descontentamento, surgiu a inevitável desempregada, que se abeirou de nós para desabafar mágoas e angústias, falando-nos de suicídios de desempregados e ainda um belga, que veio saber do que se passava, pois a integração tem tornado mais fortes os laços entre europeus. É o resultado do bom pensamento europeu que há muito apostou nas redes transeuropeias, como forma de criar coesão que, agora, uma política vesga diminui e até desfaz.

Aproveitei para ficar no Porto para investigar na Biblioteca de S. Lázaro e, no percurso ainda longo, notei a prostituição ainda bem jovem e os preços bem baixos dos restaurantes. No fim da tarde de trabalho, reparei no vazio do pequeno tasco, onde, como é habitual, comi uma bifana e um copo de verde, enquanto reparava no ar tenso e angustiado dos dois funcionários, onde já faltava um, que murmuravam: está tudo parado. Era tudo ressonância da crise generalizada em que nos lançaram com a leviandade habitual os financeiros de todo o mundo.

Entretanto, o mundo muda por força da vontade dos povos, que vão aos poucos contrariando os que usam umas vezes a persuasão mercenária dos meios de comunicação social, criando tragédias submersas ou vão usando a força da repressão policial para conter os desânimos e desesperos nos limites, que lhes são convenientes.

E não são só os mais conscientes que têm que os denunciar e romper.

É o dever de todos.

1 A Torre, quinzenário, 1 de Fevereiro de 1952,

p. 3, coluna 3.

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