E a Grécia aqui tão perto

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Marisa Matias

Há alguns meses escrevi sobre a torrente que é o texto”A mais estranha das criaturas”, do poeta Nazim Hikmet. Diz-nos ele: “tu não és um, tu não és cinco, tu és milhões”.

A mais estranha das criaturas é “mais estranha do que o peixe, que vive no mar sem saber o mar”. Referi, na altura, que parecia ser esta a imagem clara dos tempos que vivemos: somos todos parte de uma estranheza cujos contornos estão ainda pouco definidos. A estranheza do futuro próximo e das escolhas que são feitas em nosso nome, a estranheza de nós, criaturas estranhas, não sabermos em que mar vivemos. Os tempos conturbados seriam, por tudo isto, uma oportunidade para transformar a estranheza em responsabilidade e resgatar as oportunidades.

O povo grego deu-nos, no passado domingo, uma oportunidade. Sim, uma oportunidade. Os resultados eleitorais mostraram um sinal claro: a austeridade foi a votos e perdeu em grande. Os dois partidos que lhe deram suporte viram a sua votação reduzida em mais de metade. Por causa de uma lei absurda, que dá de mão beijada 50 lugares ao partido que tiver mais votos, o que, nas urnas, se traduziu numa diferença percentual residual entre o partido mais votado (Nova Democracia) e o segundo mais votado (Syriza) acabou por representar uma diferença significativa nos assentos parlamentares. Como disse Alexis Tsypras, líder da coligação Syriza, tiveram o apoio do povo, mas num contexto assim seria impossível conseguir maioria no apoio parlamentar.

Quando este texto for publicado pode até haver já governo formado. Será certamente fraco e obediente, mas nada será como dantes. As sondagens publicadas na quarta-feira quase duplicavam as intenções de voto da coligação Syriza, passando assim claramente para a primeira posição. Bruxelas dificilmente deixará e tentará arranjar um governo à força. As medidas “radicais” propostas por esta força política – que representa na Grécia o que o Bloco de Esquerda representa em Portugal –, passam por coisas tão estranhas como a recusa das medidas do resgate, a defesa de políticas de devolver aos “de baixo” o que lhes tem sido retirado, o reforço da democracia e o reforço de um europeísmo de esquerda assente na convergência. Bruxelas não quererá que tal radicalidade tenha lugar na sociedade grega porque isso implica uma mudança para toda a Europa. Nestes tempos estranhos, os gregos falaram por eles e por nós. As implicações destas eleições para as nossas vidas são amplas e profundas. Bruxelas pode mesmo nem deixar a reviravolta, mas voltarão a deixar os gregos que Bruxelas saia impune?

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