Marisa Matias
Nas últimas semanas muito se falou sobre a ameaça dos pepinos. O alerta foi dado pela Alemanha. Supostamente, pepinos orgânicos espanhóis estariam contaminados por uma bactéria mortífera de seu nome E.coli.
É verdade e são profundamente lamentáveis as mortes e as contaminações já ocorridas. É verdade que a posição tomada pela Alemanha é inaceitável, assim como os custos que essa posição provocou aos agricultores espanhóis e portugueses, nas margens na Europa e habituados que começam a ficar de serem sempre ‘suspeitos’.
Mais grave, sabe-se hoje que o foco da contaminação está sim na Alemanha e circunscrito, mas continuamos a não saber a origem do problema. É ainda vergonhoso o montante definido pela Comissão Europeia para compensar os agricultores de toda a Europa, o total proposto não chegaria sequer para cobrir os prejuízos espanhóis.
Mas vamos um pouco mais fundo no que se passou: a Alemanha lançou um alerta, a Europa parou. Fosse o governo espanhol ou português a lançar a mesma mensagem e já sabemos que os impactos não seriam os mesmos. Interessa, por tudo isto, retirar algumas lições. Em primeiro lugar, nos últimos anos tem-se agravado a suspeita permanente sobre o que comemos.
Episódios como a gripe suína, dioxinas nos alimentos, carnes contaminadas, embalagens tóxicas fazem parte de um enorme rol de histórias que se vão somando. O modelo de produção agro-industrial que venceu nos últimos anos pôs-nos dependentes de pouco mais de uma mão cheia de multinacionais e a comida que consumimos torna-se cada vez mais uma ameaça à saúde e menos uma necessidade ou um prazer.
O uso e abuso destas bactérias na produção, assim como de conservantes e outras variações, tem sido parte de um modelo que coloca o lucro à frente da saúde pública e que tem dado origem a novas estirpes de bactérias cujos impactos só podemos desconhecer.
Em segundo lugar, esta crise veio mostrar como a confiança mora ao lado dos pequenos produtores. Contaminação pode existir em qualquer lado, mas se for detectada numa pequena produção mais facilmente é circunscrita e eliminada. No sistema actual, o que poderia nem ser uma ameaça passa a sê-la à escala global, tal é a concentração da produção e da distribuição alimentares.
Por último, provou-se que era seguro consumir produtos hortícolas e frescos em Portugal. Os pequenos produtores tiveram de fazer o teste e passaram-no com distinção.
Num mundo ideal, esta crise fazer-nos-ia voltar a pensar na importância da produção agrícola local e na reconstrução de redes de abastecimento de proximidade como meios indispensáveis à salvaguarda de um modelo sustentável e de uma produção agrícola de qualidade. Temo, contudo, que o efeito seja inverso.