Directiva-quadro: como se faz a coisa

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Fechei esta semana uma directiva-quadro sobre medicamentos. Não é sobre o seu conteúdo que me proponho escrever, mas sobre o modo como estas leis de aplicação obrigatória em toda a União se fazem por estes lados. Aproveito a posição de ter “estado por dentro” para partilhar essa experiência convosco.

A coisa começa por uma “comunicação” da comissão europeia sobre o assunto em causa, à qual se lhe segue um “relatório” redigido no Parlamento Europeu. Por outras palavras, a iniciativa legislativa começa sempre no “poder executivo” – a comissão Barroso. A proposta de lei é, contudo, trabalhada e votada no Parlamento. Consoante o assunto, a respectiva comissão parlamentar escolhe quem será o/a relator(a), em função da percentagem que cada grupo parlamentar tem na casa. Está, assim, iniciado o “processo legislativo”. A pessoa responsável modifica o texto, sugerindo cortes, adaptações e novas introduções de aspectos que entenda estarem em falta. Não o faz sozinho/a. Cada grupo parlamentar nomeia um “sombra” que tem, também a obrigação de discutir e apresentar emendas. No meu caso, realizei ainda mais de 200 encontros com os actores relacionados com o assunto e fiz ainda visitas de terreno para perceber como se podem falsificar medicamentos. Na data marcada, o/a deputado/a entrega o seu relatório – afinal um conjunto de emendas aos considerandos e ao articulado que a comissão inicialmente endereçara ao Parlamento. 6 meses se passaram. Em seguida, prossegui a negociação com os meus “sombras” para chegar a compromissos, o que nem sempre sucede. Finalmente, o texto e as opções ainda em alternativa vão a votos na comissão de especialidade. Não pensem que acabou, passaram mais 4 meses e faltam ainda 9. Este “ainda” foi o tempo necessário às negociações que tive de fazer com os governos, que também têm opinião sobre a matéria. Estas conversações chamam-se “trílogos” porque envolvem Parlamento, Governos e Comissão). É uma “guerra” considerando a considerando e artigo a artigo, por vezes por pequenos nadas que podem fazer muita diferença. No meu caso, foi possível um acordo em sede de “primeira leitura”, ou seja, chegou-se a compromisso sobre todo o texto, que seguiu para ratificação dos governos. Só então o produto final é submetido a tradução jurídica compatível com as leis dos diferentes Estados, antes de ser votado no Parlamento Europeu. O “acordo de primeira leitura”, 19 meses após o início do processo, permite que se inicie já a sua aplicação nos 27 países, embora a legislação completa só esteja em exercício efectivo daqui a 5 anos. Fazer leis na Europa é assim. Elas demoram e mais ainda a sua aplicação. Mas fazem-se.

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