Opinião: A Internet é o Diabo

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Nos últimos anos, com o apogeu da internet e das redes sociais, assistimos a algumas tragédias directamente relacionadas com a ‘febre dos online”. Na ânsia de registar a nossa vida em tweets e posts, e na expectativa de merecer muitos likes ou unlikes (os haters ganharam fama e os ‘odiados’ prestígio), esquecemo-nos de nós. Esquecemo-nos de usufruir, de sentir, de gozar. Mas, em contrapartida, postamos tudo, fotos, perfis, estados de espírito, até.

São inúmeros os exemplos de acidentes ocorridos em consequência de um post, o post, o melhor dos posts. Duas iranianas fizeram um vídeo enquanto conduziam e acabaram no hospital, depois de terem postado em directo o fotogénico rebentamento dos airbags. Um jovem espanhol morreu electrocutado após ter subido ao topo de comboio para tirar uma selfie com amigos. Uma americana morreu em consequência de um acidente de viação ocorrido após ter postado uma selfie com o nome da música que ouvia no momento (malogradamente, “Happy” era o nome do tema musical).

Um jovem texano morreu em consequência de um disparo acidental da arma que empunhava para uma selfie. Um adolescente russo morreu após ter-se fotografado em difícil equilíbrio no topo de um prédio. Um turista japonês morreu em consequência de uma queda ocorrida enquanto tirava uma selfie no Taj Mahal. Por cá, um casal de polacos caiu de uma ravina no Cabo da Roca, por causa de uma selfie que não chegou a ser tirada e morreu tragicamente na presença dos filhos, após ter efectuado o seu último registo fotográfico: o céu azul, imagem de uma alienação fatal, que se apoderou de nós, qual praga da modernidade.

Nos últimos dias, conhecemos uma nova fase daquela alienação: enquanto uma mulher era assistida pela equipa de emergência, após ter sido atropelada por um comboio, na cidade italiana de Placência, um homem tirou uma selfie, com a vítima como pano de fundo, a fazer o gesto de vitória com os dedos.

É esta a praga que enfrentamos, qual mundo apocalíptico de Walking Dead, dominado por mortos-vivos.
A propósito do novo Regulamento Geral de Protecção de Dados, diabolizamos a Internet e o seu rol de poderes maléficos: dos ataques informáticos ao malware, do roubo de identidade ao phishing, do uso indevido de informações ao profiling… tantos perigos anunciados. A maldição da internet!

E, entretanto, à hora de almoço, enquanto engolimos apressadamente uma ‘sandocha’ e sorvemos um café, pomos de lado a realidade, esquecemo-nos que vivemos num dos mais belos países do mundo, com um maravilhoso clima (desmentido peça meteorologia dos últimos dias, bem sei!) e com a melhor gastronomia que conheço (em Coimbra, alguém precisa de roteiro para as bifanas do Borges ou para as tostas de galinha do Bairro?), e mergulhamos nesse admirável mundo virtual, com selfies e posts registados na net, à espera dos likes, como se a felicidade resultasse do seu anúncio ao mundo.

E, ao final da tarde, enquanto levamos as crianças ao jardim, ou tomamos chá na esplanada, lá registamos a selfie da tarde, com um sorriso fingido, igual ao da véspera e dos dias seguintes, que arrecadará mais uns likes e uns comentários catitas.

E o mesmo à noitinha, já no recato do lar, com um copo de vinho e uma salada por pano de fundo, a armar ao moderno (“Quanta felicidade”, poderá ler-se nos Comments).

Só que (talvez) não… A felicidade, por escassa e preciosa, sente-se, vive-se, saboreia-se, e não se confunde com o seu pregão.

E não, a Internet não é Deus, e o Diabo não se contenta com ela!

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