Opinião – Decência

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Norberto Pires

Norberto Pires

O Jornal de Notícias dizia ontem que o Ministério Público chegou a acordo com 20 militantes da Distrital de Coimbra do PS para evitar que fossem a julgamento por falsificação de documentos. Ainda de acordo com o Jornal de Notícias, entre os 20 militantes estarão antigos e atuais autarcas, dirigentes de órgãos locais do partido e da Juventude Socialista e pelo menos um deputado da anterior legislatura. Este caso, denunciado por Cristina Martins (militante do Partido Socialista e ex-presidente do núcleo de freguesia do OS da Sé Nova) com objetivo de defender a “transparência no PS e a seriedade da democracia”, foi largamente documentado no livro “Os predadores” de Vitor Matos, jornalista da revista Sábado, cuja leitura recomendo vivamente.
Este processo vergonhoso, que atinge o PS mas que é um problema transversal aos partidos políticos, coloca a nu a fragilidade do regime em que vivemos. Basta ver que são as estruturas partidárias que selecionam os cidadãos que concorrem a eleições locais e nacionais, isto é, a democracia fica largamente posta em causa pois todos votamos nas escolhas previamente feitas pelos partidos.
Acresce que casos deste tipo, e a ser verdade o que diz o referido jornal, ferem de morte a legitimidade dos órgãos fraudulentamente eleitos do partido (seja ele qual for) e, consequentemente, a legitimidade das escolhas que fizeram em termos de candidatos locais e nacionais, bem como os mandatos, locais ou nacionais, que eventualmente esses candidatos tenham obtido em eleições (no caso particular, excluo todos os candidatos que tenham sido indicados pelo órgãos nacionais, atendendo ao posicionamento que tiveram os órgãos locais relativamente à eleição interna para a liderança). Uma fraude, a confirmar-se, não pode valer a pena e não pode deixar de ter consequências. Como disse, e muito bem, a militante que fez esta denúncia, é uma questão de transparência e de seriedade.
Os decisores políticos, aqueles que são eleitos para representar o povo, têm de ter uma legitimidade a toda a prova, e exige-se-lhes que demonstrem um comportamento ético irrepreensível.
Tudo isto são sintomas de um problema muito maior: a falta de ética e decência na vida pública. Há uma enorme diferença entre ter o direito de fazer algo e ser correto fazê-lo. Essa diferença chama-se ética, e o modo de atuar tendo por base essa diferença é a decência. Muita gente, nomeadamente na vida pública – o que é preocupante-, não faz ideia das regras da ética nem o que é um comportamento decente. Isto é alarmante se percebermos, até pelo livro que referi acima, que este tipo de comportamentos – falsificação de documentos, sindicatos de votos, pagamentos de cotas, etc. – é comum a todos os partidos do chamado arco da governação. É a essência do regime que fica em causa e isso deve merecer o devido reparo e condenação pública.

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