Opinião – Escalas

Posted by
Spread the love
João José Pedroso de Lima

João José Pedroso de Lima

Com dificuldade, o cozinheiro dos liliputianos conseguiu subir para cima de Gulliver, que se encontrava deitado e amarrado por centenas de fios, a um enorme estrado de madeira com rodas. Laboriosamente, o cozinheiro mediu o gigante da cabeça aos pés e verificou que este tinha 12 vezes a sua altura. Pensou um pouco e concluiu que as refeições de Gulliver deviam ser doze vezes maiores do que as dos liliputianos. Não seria de esperar que um cozinheiro minúsculo soubesse teoria das escalas, mas o erro que cometeu foi, de facto, gigantesco!

O alimento que um homem necessita para a sobrevivência está relacionado, não com a sua altura, mas com o volume e este é proporcional à potência 3 da altura!

Considerando que as proporções físicas de um liliputiano são idênticas às do homem, a relação entre os seus volumes, para uma relação de 12 vezes em altura, é 1728!

Sem dúvida que Gulliver passou muita fome. As suas refeições satisfaziam menos de um por cento das suas necessidades!

Para lá da fantasia, erros deste tipo podem ser graves. Se a dose de uma droga a administrar a uma criança, com 1 m de altura, for calculada a partir da dosagem para adultos, supostos com altura média 1,70 m e usando a relação das alturas ( 0,59 ), obtém-se um valor cerca de 3 vezes superior à dose aconselhada para a criança.

A dose a administrar à criança deve ser calculada a partir da relação entre os volumes (ou massas) cujo valor é 0,20, o que mostra o erro, para mais, que seria cometido.

Apesar da extraordinária complexidade dos seres vivos, das enormes diversidades nas suas funções, formas e dimensões, as últimas com variações que vão desde o décimo de micrómetro de um vírus até à centena de metros de uma sequoia, muitos dos seus processos mais fundamentais, obedecem a relações dimensionais gerais surpreendentemente simples.

As características físicas, órgãos e funções de um particular organismo vivo, que foram testadas em milhares de gerações e replicados, praticamente sem erros, um ainda maior número de vezes, estão relacionados entre si com rigor matemático.

Por exemplo, para qualquer organismo que se considere, a taxa metabólica (diminuição, por unidade de tempo, da energia interna) escala como a potência 3/4 da sua massa M (ou seja, é proporcional a M3/4 ). Nos mamíferos, a frequência cardíaca e a esperança de vida escalam com a massa respetivamente com as potências 1/4 e –1/4.

Muitas outras relações são possíveis, com diferentes graus de complexidade.

Por exemplo, verifica-se que, entre os mamíferos, a relação entre o tempo de vida e o período cardíaco é um valor praticamente constante, vivendo aqueles, aproximadamente, o mesmo número de batimentos cardíacos, independentemente das suas dimensões.

Por outro lado, muitos aspetos da vida dos seres vivos são determinados pelas suas dimensões. As propriedades físicas intrínsecas dos materiais biológicos determinam condições ótimas de funcionamento em intervalos restritos das dimensões dos organismos.

Por exemplo, facilmente se comprova por considerações alométricas, que um elefante encolhido à escala de um rato (ou um homem à escala de um liliputiano) são seres inviáveis. Do mesmo modo os insetos gigantes, como aparecem nos filmes de ficção, têm vulnerabilidades que os torna ridiculamente inofensivos. Uma formiga gigante à escala de um homem (comprimento 1,70 m) só seria capaz de levantar 1,8 % do próprio peso, enquanto que uma formiga normal pode com 3 vezes o seu peso.

Teoricamente, o homem é capaz de levantar cerca de metade do seu peso, uma regra que, claramente, não se aplica aos obesos.

Leave a Reply

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

*

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.