Opinião – Sinais de unidade religiosa no conflito da Ucrânia

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Manuel Augusto Rodrigues

Manuel Augusto Rodrigues

Um episódio da revolta ucraniana que envolveu um judeu que quer manter o anonimato mereceu a atenção de todo o mundo. Com uma população de cerca de 45 milhões de habitantes, a Ucrânia tem como religião predominante o cristianismo ortodoxo oriental, que se divide em três grupos: a Igreja Ortodoxa Ucraniana, ligada ao Patriarcado de Moscovo, que é o maior; a Igreja Ortodoxa Ucraniana do Patriarcado de Kiev e a Igreja Ortodoxa Autocéfala Ucraniana. Há ainda a Igreja Greco-Católica Ucraniana de rito oriental, que mantém uma tradição espiritual e litúrgica semelhante à da ortodoxia oriental, mas está em comunhão com a Igreja Católica Apostólica Romana e reconhece a primazia do Papa. Há ainda grupos menores: católicos romanos, protestantes, judeus e muçulmanos. Na actual crise ucraniana veio ao de cima o ressentimento com a Rússia que de há muito está generalizado e a vontade de uma aproximação com a União Europeia. Na presente emergência que está a criar grandes interrogações quanto ao seu desfecho, aconteceu a revolução de Maidan que foi executada por um exército organizado à maneira dos cossacos, uma espécie de cowboys do século XV no imaginário ucraniano, como escreveu alguém. O nacionalismo, a democracia directa, o poder emanado de baixo para cima, o sentido da honra e da seriedade, mas também o amor pela violência e o ódio ao estrangeiro, tudo isso vem dessa fronteira dos tempos míticos e define hoje o movimento de Maidan.

Correram o mundo nos últimos dias algumas fotos de religiosos ortodoxos que em Maidan, na praça da Independência de Kiev, se apresentavam com as cruzes na mão entre os manifestantes. A Igreja Greco-Católica da Ucrânia tem-se manifestado a favor dos direitos do povo contra um regime ditatorial e criminoso.

A unidade religiosa que se constituiu na praça respeita desta vez aqueles que João Paulo II definiu os “nossos irmãos maiores” que são os hebreus. Um líder judeu na auto-defesa de Maidan disse: “no fim do dia, viver neste país valeu a pena, porque vivemos para ver Maidan”. Com um barrete em vez do Kippah, o jovem podia passar por um docente de uma “Yeshivah” (uma escola religiosa hebraica). Mas afinal era um dos líderes da defesa dos manifestantes na rua Hrushevsky (Hrushevskoho).

O religioso que fez o exercício militar no exército israelita, concluiu que não era possível combater directamente a iniciativa contra os Berkut em Maidan. Decidiu, pois, a tomar uma posição defensiva por meio de barricadas. E assim com 200 soldados e polícias derrubou a “Casa Ucraniana”, onde se encontravam cerca de 1500 manifestantes, resolvendo-se tudo sem a mínima violência. O interlocutor explicou a “Vozes da Ucrânia” que teve o apoio de quatro israelitas com uma experiência de combate como a minha na minha unidade. Como eu, vim para Maidan para ajudar a evitar que haja perdas humanas não necessárias. À pergunta se naqueles dias viu elementos de antisemitismo entre os manifestantes, respondeu: “Não houve nem sequer um exemplo a esta espécie de comportamento. Apresentei-me sempre como um judeu, e religioso, além de mais. Tenho dezenas de guardas da resistência georgianos, azérios, arménios e russos que procuram não falar ucraniano e não fomos intolerantes uns com os outros. Todos foram respeitosos para com a minha fé, sabem já o que posso e não posso comer, e não há qualquer hostilidade”. Cristãos ortodoxos e católicos, hebreus e outros uniram-se na defesa de uma causa comum, a do patriotismo e da defesa dos direitos humanos.

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