Meia Maria, s.f.v.

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Num país em crise, as boas práticas de empreendedorismo social são para ser replicadas – assim um senhor iniciou a sua intervenção, recorrendo a uma linguagem própria do acordo dos tempos.

E foi então que enalteceu um projecto inovador. O “Projecto Marias, limpando de mãos juntas” promovido por uma ONG norte-americana com o apoio da Fundação EDP. Precisamos muito de uma empregada doméstica e recorremos ao projecto e lá encontramos Marias internas, Marias a 100%, Marias a 50% ou Marias a horas. Está tudo no catálogo. Basta escolher, desde que tenhamos capacidade económica para adquirir as Marias. Estas não são baratas, podem mesmo alcançar o preço mensal de 855 euros. As Marias inteiras ou fraccionadas têm todos os direitos, subsídios e seguros. O cliente pode servir-se de uma Maria completa, a mais cara, ou usufruir do serviço às postas, consoante as necessidades. As Marias têm rostos e nomes, rostos negros e nomes de Jannete, Teresa, Rosa ou Antónia e apelidos Baldé ou Hulunda. As Marias têm vontades e opiniões. Uma gosta muito de cozinhar, outra é especializada em comida cabo-verdiana e mesmo vegetariana. Uma há que nos tempos livres gosta de ler histórias de amor e a Bíblia Sagrada, enquanto outra revela o seu maior desejo actual, aprender a ler e a escrever. Talvez em breve já consiga juntar as letrinhas por inteiro. Ou fá-lo-á às postas, m+a, ma, r+i, ri e com a, maria. Inteira?
Enquanto já dispomos de serviço de marias, meias marias, quartos de marias, não faltarão empreendedores sociais a imitar estas boas práticas. Meios Maneis. Meios jardineiros. Meios pedreiros, quartos de professores, oitavos de funcionários da higiene municipal, décimos de pessoas e centésimos de seres humanos. Afinal, a Pressley Ridge com o apoio da EDP não teve uma ideia assim tão luminosa. Há muito que se pode recorrer à internet para seleccionar e comprar, através de simples cliques, as couves, as batatas, as salsichas, os tomates que o hipermercado traz até nós.
A mesma ONG dá provas de outras boas práticas. No projecto “Vestidas para vencer”, ensina marias a vestirem-se apresentavelmente para conseguirem trabalho. E lá estão as fotografias que não me deixam mentir. Fotografia do antes – seis ou sete marias pretas mal vestidas; fotografia do depois – seis ou sete marias negras todas janotas!
Não se duvide do elevado mérito destes projectos. Eles são modernos! Não sejamos velhos do Restelo ou D. Quixotes! Então não é completamente diferente trazer-se um escravo acorrentado e maltratado a ter-se um escravo com direitos, seguros e apoio médico? Prende-se o preto no tronco, chicoteia-se até quase se esvair em sangue, mas a equipa da emergência médica interrompe: “ Com licença. Aguarde um momento,senhor, então!,sejamos humanos. Vamos fazer uns curativos, pronto já está . Siga! Pode continuar”. Claro que nada disto tem o que quer que seja de comparável à disponibilização de marias às fatias. Absolutamente nada! Manias! Marias!?

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