Irracionalidade da crise

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Aires Antunes Diniz

Tenho para mim que esta crise se aprofunda pela irracionalidade das medidas tomadas e a mais evidente, e também a mais grave, pelo continuado desincentivo, que a caracteriza, ao esforço de cada um para encontrar as soluções mais inteligentes, prejudicando a racionalidade das escolhas empresariais e públicas.

Por outro lado, a procura de culpados tem-se caracterizado por muitas razões ocultas que escondem as razões da crise. Uns tontos até dizem que a culpa é dos que compraram casa e pregaram calotes aos bancos por essa razão. Mas se, em certa medida, vale para os funcionários públicos, não dizem que as regras do jogo foram alteradas por quem os prejudica nas carreiras, impondo-lhes avaliações que nada avaliam e só os empobrecem. Prejudicam os serviços pois os seus trabalhadores ficam desanimados por esta continuada frustração. Outras profissões, como é o caso os médicos reformam-se antecipadamente ou, estando a meio da carreira, são agora alvo da procura de países onde estes profissionais também faltam.

Estamos assim perante um “vote by foot”, ou seja, um votar com os pés como lhe chamam os economistas, significando repúdio desta política económica. Paradoxalmente, o governo incentiva a emigração, mostrando que não acredita na sua eficácia e, tentando só reduzir os desempregados, enxota-os da zona de conforto. Diz e faz. Perdem-se assim muitos profissionais altamente qualificados que, estranhamente, vão agora para Angola ou para o Brasil, num retorno ao passado, que se ia como excepção pois “Recordando … recordo um conhecido dos tempos coimbrãos – o Dr. Silva Ramos. Brasileiro de nascimento, a sua mocidade decorreu em Portugal e a sua formatura foi feita na formosíssima diva do Mondego.”

Infelizmente, torna-se agora a regra.

Entretanto, somos confrontados com sucessivos impedimentos ao normal funcionamento da justiça como acontece no caso Face Oculta, onde se tenta apagar o som e o rasto das conversas dos influentes no desvario. Também no caso Duarte Lima só agora a opinião pública sabe ou melhor desconfia das razões do desaparecimento de muitos milhões de euros do BPN. Estranhamos por isso o silêncio dos gestores que o Governo PS nomeou há anos e também a falta de um relato público das quantias desaparecidas. Quanto a mim, o caso Duarte Lima confirma muitos dos “boatos” que ouço desde há muito. De facto, mostra como a corrupção tem irracionalizado as decisões de gestão de muitas empresas e serviços públicos, onde a factura a pagar é sempre para os trabalhadores e pensionistas. Felizmente, muitos destes já perceberam o logro em que caem quando se declaram culpados.

Repudiar culpas alheias é por isso um acto salutar.

E a última greve geral mostrou que Portugal está a caminho da cura.

1 – Silva Bastos – Em demanda do Rio de Janeiro, Atlântida, ano II, n.º 15, 1917, p. 189.

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