“Os Encontros de Fotografia de Coimbra foram a base da educação do meu olhar”

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Foto de Gonçalo Manuel Martins

Reconhece-se grato aos Encontros de Fotografia de Coimbra, que integrou na década de 1990 e onde se encontrou com alguns dos seus grandes mestres – Robert Frank, Joel-Peter Witkin, Paulo Nozolino, Jorge Molder. Pedro Medeiros, o fotógrafo que recentemente “conquistou” Coimbra com o projeto “Mercadoria humana”, mostra até fevereiro de 2012, no Centro de Artes Visuais, Pátio da Inquisição, a exposição “Forever yours”, tecida num percurso de afetos, entre o seu passado na fotografia e a amizade do músico Paulo Furtado.

Forever yours” expressa um conjunto de afinidades e afetos de Pedro Medeiros: o Centro de Artes Visuais/Encontros de Fotografia de Coimbra, este espaço das Celas da Inquisição, Paulo Furtado [The Legendary Tigerman). Que afinidades e afetos são estes?

Em relação ao CAV e à oportunidade de aqui expor, sinto-me muito grato ao CAV/Encontros de Fotografia de Coimbra, ao diretor do CAV, Albano Silva Pereira por me ter dirigido este convite. Eu tenho um passado, de praticamente uma década, todos os anos 90, de trabalho desenvolvido nos Encontros de Fotografia de Coimbra, na altura ainda no Centro de Estudos de Fotografia da Associação Académica de Coimbra (AAC) e não aqui, no espaço do Pátio da Inquisição. Costumo dizer que os Encontros de Fotografia e o Centro de Estudos de Fotografia da AAC foram a base da educação do meu olhar, a base da minha aprendizagem, foram uma escola para a vida, seja com o diretor, Albano Silva Pereira, seja com outras pessoas que passaram pelos Encontros, como Maria Teresa Siza ou Manuel Miranda.

E foi nos Encontros de Fotografia de Coimbra que encontrou alguns dos que são ainda os seus mestres na fotografia?

Eu e todas as outras pessoas que passaram pelos Encontros de Fotografia de Coimbra. Foi nos Encontros que tive oportunidade de encontrar alguns grandes mestres da fotografia, que eu admiro imenso, nomeadamente Robert Frank, Joel-Peter Witkin, Paulo Nozolino, Jorge Molder, entre muitos outros. Tive também a oportunidade de trabalhar, em ambiente de forte camaradagem e de transmissão de conhecimento que existia entre todos nós, com alguns colegas que marcaram a minha vida, como é o caso do António José Martins e do Paulo Abrantes. Nós passávamos horas intermináveis no laboratório da Associação Académica [de Coimbra] a imprimir fotografias a preto e branco, começando às 11 da noite e acabando às sete da manhã. Há, portanto, uma relação de memória afetiva muito forte, porque essa escola foi fundamental para mim, eu que sou um individuo que, com 22 anos desisti de um curso de direito e depois de um curso de história, para começar a trabalhar nos Encontros de Fotografia de Coimbra.

Foi por lá que se encontrou com o seu caminho na fotografia?

Foi nos corredores da AAC que eu encontrei o meu caminho na fotografia. E hoje sei que tive sorte por me ter encontrado na fotografia num lugar daqueles, com todas as pessoas que por lá passaram comigo e que, como já referi, tiveram a maior importância no meu percurso. Neste espaço – o Centro de Artes de Fotografia (CAV) –, há uma memória muito forte. Na altura, os Encontros de Fotografia de Coimbra [que conheceram a primeira edição em 1980] foram pioneiros na descoberta de inúmeros lugares na cidade, alguns agora habitados por associações importantes, outros não, mas todos espaços fantásticos. Um desses espaços foi este onde agora está a o CAV, as Celas da Inquisição, que foi inaugurado com uma grande exposição, em 1996, de um daqueles grandes mestres da fotografia, Joel-Peter Witkin, por quem eu tenho uma fortíssima admiração.

Joel-Peter Witkin foi um desses fotógrafos que o marcou fortemente?

Que me marcou muito. Witkin já tinha exposto, salvo erro, em 1990, no Edifício das Caldeiras, e foi essa exposição que me fez querer trabalhar nos Encontros de Fotografia de Coimbra. O facto é que as coisas têm todas uma história e uma memória muito forte. Eu lembro-me de ver essa exposição nas Caldeiras e de ficar absolutamente impressionado e fascinado com o trabalho do Witkin e de pensar que aquele era um sítio onde eu adoraria trabalhar. A vida prega-nos partidas e, realmente, passados dois anos, eu estava a trabalhar nos Encontros de Fotografia. Aqui, nas Celas da Inquisição, em 1996, eu estive na organização, na produção, no acompanhamento de toda a exposição do Joel-Peter Witkin e, na altura, foi-me também concedido aquilo que eu considero um privilégio. Witkin precisava de um assistente em Coimbra, o Albano [Silva Pereira] perguntou se eu estava interessado em ser assistente de fotografia de Witkin durante uma semana ou 10 dias e, naturalmente, eu disse que sim, porque era o que eu queria ouvir. Portanto, eu tive oportunidade de acompanhar a sua metodologia de trabalho e de o ajudar a conceber uma obra em Coimbra. Assim se vê que há uma relação afetiva muito forte e pela qual eu estou tremendamente grato.

Com Paulo Furtado [The Legendary Tigerman] há uma relação antiga?

Com o Paulo Furtado, há uma relação de amizade desde 1983 ou 1984, mas de mais de 20 anos, quase 30 anos. Depois, a partir de 2002, no primeiro álbum, iniciamos uma relação de trabalho que se mantém, com uma química criativa muito grande, trocando propostas, sempre jogando numa plataforma de respeito criativo mútuo. Nós somos dois autores a respeitarem-se e a trabalharem em conjunto até 2006. Agora, possivelmente, está na calha para 2012 um projeto novo e em conjunto.

Esta exposição no CAV – “Forever yours” – que proposta traz ao público?

Este projeto assenta em duas ou três premissas fundamentais: trata-se de uma metáfora da preservação da vida humana, a questão da eternidade, a ilusão da imortalidade, no fundo, a tentativa que todos nós fazemos, ou que os fotógrafos fazem, de supressão da morte. Aqui há uma subversão do sentido da morte. Por outro lado, propõe-se ao público uma relação entre a ciência e a fotografia, nas experiências que ambas as áreas fazem na preservação, seja do corpo humano, no caso da ciência, seja da imagem fotográfica, no caso da fotografia. Por exemplo, a criónica tenta preservar os corpos em nitrogénio líquido a temperaturas de 196 graus negativos. Se colocarmos um negativo de cor num arquivo de frio, a 20/30 graus negativos, temos a promessa de eternidade. E estes são ao assuntos que o projeto “forever yours” (“para sempre teu ou tua”) pretende interrogar.

“Falta dimensão, visibilidade e afirmação nacional a Coimbra”

E há a questão central da taxidermia?

Sem dúvida. E estes são conceitos interligados. Se temos este conceito base de reflexão sobre as questões da imortalidade, da eternidade e da preservação da vida, há depois uma transcrição destes conceitos, feita no projeto da exposição, através do uso da imagem encenada. Se, por um lado, as pessoas que conhecem o meu trabalho sabem que eu abordo uma componente social da fotografia, tenho também uma prática de encenação muito forte. Aqui, essa encenação tem como matéria de representação a criação da tal fantasia de taxidermia humana. Estamos no campo da ficção, trata-se de um aprisionamento e falsificação do tempo. Se a taxidermia é a arte de preparar animais, de modo a que conservem, mortos, o aspeto e características morfológicas, aqui tive como ponto de partida a questão da taxidermia antropomórfica, prática usada por alguns taxidermistas no século XIX e que consistia em colocar animais em poses humanas. Nesta exposição, o processo é invertido: assistimos a um ritual alegórico, em que um homem, um pressuposto taxidermista, obviamente num sentido figurativo, vai intervindo sucessivamente sobre o corpo de uma mulher, tendo como objetivo final transformá-la num objeto museológico. Podendo, assim, preservá-la para sempre.

Tornando-a sua?

Exato. Tornando-a sua. Novamente, aqui, a questão do aprisionamento ou uma certa obsessão em relação ao que nos perturba, mas em relação também ao que amamos e que queremos preservar, como a memória de um ente querido, alguém que amamos profundamente. Estes são os temas centrais da exposição.

Qual tem sido a reação do público à sua proposta?

A reação tem sido bastante boa. A inauguração correu muito bem, estiveram mais de 200 pessoas, o que é um número muito bom. A mensagem tem vindo a passar. Houve também a preocupação de redigir um texto para acompanhar a exposição e isso é importante. Embora respeite autores que não o fazem, porque, obviamente, um conjunto de imagens deve falar por si, a fotografia já é uma escrita. Mas o acompanhamento de um texto é muito importante, porque é um referencial.

Contextualiza o olhar?

Absolutamente. E indica um caminho para a subjetividade de interpretação que cada um poderá ter. Estas imagens são fortes e as pessoas acabam por perceber a intenção do autor e o que ele pretende transmitir.

O comentário de um artista sobre o momento atual de Coimbra?

Apesar da dramática conjuntura financeira que todos vivemos continuo a acreditar e a pensar de forma positiva. Coimbra tem um enorme potencial criativo, ao nível humano e ao nível de estruturas locais. A cidade criou e reformulou nos últimos anos alguns equipamentos culturais de grande qualidade como são exemplo o Mosteiro de Santa Clara-a-Velha, a Casa da Escrita, a Casa das Caldeiras, o Museu da Ciência – Laboratório Chimico ou a Casa das Artes da Fundação Bissaya Barreto. Coimbra tem inúmeras associações culturais que desenvolvem um excelente trabalho, o Círculo de Artes Plásticas, o Fila K Cineclube, a Casa da Esquina, o espaço Arte à Parte, entre outros. O “Jazz ao Centro” ou o “Festival das Artes”, organizado pela Fundação Inês de Castro, são neste momento alguns dos eventos com grande relevo que Coimbra apresenta. Penso, no entanto, que falta ainda mais dimensão, visibilidade e afirmação nacional da cidade. Esta ambicionada visibilidade só pode ser conseguida se Coimbra estimar e projectar os seus artistas e eventos no contexto nacional. O Turismo Cultural e descentralização, de que tanto se fala, só podem ser alcançados com a aposta em eventos da dimensão do “Coimbra em Blues” ou dos “Encontros de Fotografia”, um Festival que ao longo de décadas inscreveu Coimbra no panorama cultural nacional e internacional. Penso que está nas nossas mãos e das entidades competentes encontrar a necessária energia e dinâmica para cumprir, mesmo contra ventos e marés, com as difíceis missões futuras. O esforço tem que ser colectivo e a responsabilidade é de todos.

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