Odores

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Aires Antunes Diniz

Uma cidade é sempre apreciada pela qualidade de vida que oferece aos seus habitantes e aos seus visitantes. Uns e outros vão anotando os cheiros e as vistas, dando conta do estado de adiantamento social e económico. Um habitante fugaz como Camilo Castelo Branco, diz-se “Enjoado de Coimbra e dos fedores da gentilíssima cidade a cujos pés o Mondego brilha e murmura 1”, outros, menos incomodados, falam da juventude, que aqui viveram, sem se incomodarem com as mazelas da cidade. Uns e outros, nada deixam de positivo à cidade pois em nada a querem curar. Só os que exercem a cidadania o fazem, precisando para o ser de empenho persistente e corajoso.

Como exemplo de empenhamento cívico, recordo Ricardo Jorge, cujo amor à cidade do Porto, lhe valeu uma dolorosa expulsão da cidade invicta em 1899. Por isso, interpretou tudo como uma doença social tratável como problema de saúde pública. Era um tempo em que havia no Porto e em Portugal um homem como Joaquim de Vasconcelos, que tentava proteger a arte portuguesa dos ignorantes. Eram os que em lugares de comando a destruíam ou delapidavam. Os dois, Ricardo Jorge e Joaquim de Vasconcelos, são exemplos bem necessários agora que notamos os prejuízos elevados dos que destroem os bens culturais e económicos do país.

De facto, todos temos consciência de que vivemos momentos de degradação moral e ambiental, onde a turvação dos valores nos fazem temer pelo futuro, enquanto uma mal explicada crise financeira nos faz esquecer os valores humanos da verdade e da honra. A escola, sabemo-lo todos, reflecte esta falta de valores, tornando difícil a educação dos jovens, e, pior ainda, alguns até adormecem a meio de um assalto. Outros são mais sofisticados. Planeiam tudo.

Na verdade, os assaltos sucedem-se sem que a polícia lhes ponha cobro, fazendo de alguns anedotas que correm por aí. Diz-se numa destas que uns ladrões roubaram parte de uma máquina tipográfica, e, apanhados, foram rapidamente libertados, indo depois roubar o resto. Outros, contam a história diferentemente: libertados voltaram ao local do crime para apagarem as provas.

Não admira que o Presidente da República fale da necessidade de tratar e de curar o país. Contudo, o problema é que os clínicos, que se aprestam a fazê-lo, não são de confiança. Correm por isso na Net apreciações que falam de “médicos mal preparados” que não passam de “fracos enfermeiros”. Mas, o que complica tudo são os que lançam poeira no ar e não deixam que os portugueses façam o diagnóstico preciso necessário.

Felizmente, sabemos já que é preciso valorizar e proteger a produção e o trabalho nacional. Entretanto, para o conseguir fazer, o país precisa mesmo de cura radical para mudar de vida. E para nosso bem, para o conseguir, só precisa de uma clarividente cidadania.

1 António Cabral – Camilo de perfil, Livrarias Aillaud e Bertrand, Paris-Lisboa, 1923, p. 265

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