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Opinião: Um reflexo além-mar

11 de setembro às 11h01
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Os portugueses e os argentinos tratam-se naturalmente por tu. São gente boa, amigos do seu amigo, generosos e que vivem, alternadamente, entre estados de euforia e depressão. Ou porque são os melhores do mundo ou porque são os piores (e tudo é mau). Naturalmente.

Virados para o mesmo espelho Atlântico, Portugal e a Argentina são, em mais do que um campo, reflexo e imagem do outro. Dotados de uma extensa costa, inevitavelmente circunscritos por uma potência vizinha maior em área e população (e com a rivalidade inevitável…era, aliás, um alívio quando percebiam que eu era português…), marcados por períodos históricos de ditadura e libertação, cíclicos estados de efusão e crise. Inseridos nos seus respetivos espaços económicos regionais, procuram fazer-se ouvir, oferecendo o capital humano e histórico de que dispõem e que os distinguem.

Como Portugal, embora em séculos diferentes, a Argentina tem no seu passado um período de invejável progresso e prosperidade, ascendendo à cúpula das Nações no final do século XIX e início do século XX. Era, então, a sétima nação mais rica do mundo. O PIB real per capita seria, esse, o mais elevado do mundo em 1895 e 1896, e esteve consistentemente entre os mais elevados até pelo menos 1920.

Também como em Portugal, no entanto, esta ínclita geração, desbravando e construindo os caminhos da prosperidade, não lhes assegurou o futuro. Com a Grande Depressão, a Argentina caiu em profunda instabilidade política e recorrentes crises económicas, que contiveram o desenvolvimento do país e lhe retiraram o estatuto alcançado. Neste contexto, e como nós, também os argentinos conheceram o flagelo da ditadura e repressão. O Peronismo, sucessivas crises políticas e golpes de Estado, marcados por uma ubíqua Guerra Fria que se estendia à América Latina, culminaram em 1976 com a tomada de posse da junta militar, que perseguiu e assassinou milhares de dissidentes e críticos na chamada Guerra Suja, período de terrorismo de estado e agitação civil que durou até 1983. Após nova época de relativo crescimento, o Corralitoe as desventuras do Presidente De La Rúa, como já relatei, marcaram pelo pior o início do novo milénio.

Testemunhei essa parte da história, expressões como o “dame dos” como eram conhecidos os argentinos à época, explicam o estado de euforia desmedida que viveram quando um peso valia um dólar. Tudo era barato para quem viajava para o estrangeiro. Ir a Miami, dizia o porteiro do meu prédio, ficava muito mais em conta do que ir a Ushuaia, Mendoza, Jujuy ou Salta. O pós foi dramático, o país estagnou em termos do tecido produtivo nacional, pois tudo era importado. Lembro-me, fins de 2002, de ter encontrado gigantescos supermercados com prateleiras vazias…nem uma coca-cola para amostra.

Espelhadas no mar, a cíclica estagnação e exposição às crises são um obstáculo secular, mas não inevitável, ao desenvolvimento que Portugal e a Argentina ambicionam. A leitura da História evidencia – dita, sugiro –, dos dois lados do oceano, a imperativa necessidade de modernização, competitividade e resiliência. Só assim encontrarão o seu espaço nos respetivos concertos regionais, defenderão os seus interesses, os seus cidadãos e as suas democracias, e construirão nas costas que os definem uma indispensável resistência aos próximos tsunamis.

Em 23 anos de carreira e tendo servido em quatro continentes, não encontro Povo mais parecido connosco. Te quiero mucho, Argentina.

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