Opinião – Transferir competências: como, com quê e para quê?
O quadro de transferência de competências para os órgãos municipais e para as entidades intermunicipais no domínio da educação está consignado em Lei e começa a ser concretizado, não sem alguma controvérsia, ainda que nem todos os que dizem que sim tenham os mesmos argumentos para o fazerem, o mesmo acontecendo aos que optam por negar vantagens e tempos desta decisão que, afinal, é uma velha aspiração de muita gente. Todos sabemos que ao longo dos anos já os municípios têm sido chamados a resolver problemas pontuais das escolas, desde o desentupimento de canos até à substituição de fechaduras nas portas das salas de aulas. A partir de 1984 começaram as autarquias a verem avolumar-se as suas competências na Educação: transportes escolares, ação social escolar, pessoal não docente “de educação pré-escolar, do ensino primário e do ciclo preparatório TV” “.
Enfim, degrau a degrau vão as autarquias entrando na gestão das escolas, ficando de fora, até ver, as questões de natureza pedagógica que continuam a ser tuteladas pelo poder central, as que se referem aos concursos para o pessoal docente e mais uma mão cheia de outras que urge serem clarificadas com a presteza que o caso sugere.
O que é visível é o facto de as próprias escolas terem uma intervenção reduzida em matéria que lhes diz respeito e que bem poderiam ser em benefício das famílias, dos alunos e dos territórios onde se encontram instaladas. Porque há receio que elas definam o número de alunos que deve estar em cada turma, tendo em conta as suas características, as dificuldades que apresentam as crianças e os jovens ou até os avanços de que se dará conta quem com eles lida diretamente?
Confesso os meus receios quanto à possibilidade de em algumas autarquias menos sensibilizadas para o processo educativo (que as há, lá isso há) se verifique a tentação de coartar às escolas a pouca autonomia que foram ganhando com o seu bom senso, a sua pertinência, a enorme capacidade de resistirem a ataques que foram feitos ao seu funcionamento. E receio (para não dizer que tenho a certeza) que muitas autarquias não tenham os quadros superiores e técnicos conhecedores de uma das áreas mais sensíveis na gestão municipal.
Devemos acreditar que da parte dos diretores das escolas, sempre acompanhados pelo corpo docente, há o bom senso e a experiência que lhes permitirá gerirem de acordo com as necessidades e respeitando as barreiras que previamente serão definidas pelo poder central, no que lhe toca de decisão e de orientação, e pelo poder municipal no que lhe diz respeito em áreas de gestão e de consolidação do valor acrescentado que é esta “coisa” importante que se chama mesmo Educação.
Veja-se a forma altamente competente com que resolveram muitas das questões levantadas às escolas na fase mais difícil da pandemia que nos atacou para termos a certeza de que farão sempre o melhor, tendo em conta o interesse global e o dos alunos e suas famílias.
Há bem pouco tempo o Presidente da Câmara Municipal de Beja pôs o dedo na ferida, segundo o Observador: “Temos escolas com poucas condições e as questões dos rácios dos auxiliares de ação educativa e dos transportes escolares ainda não está bem esclarecida, e, portanto, há um conjunto de dificuldades na Educação que os municípios ainda têm e que fazem desta a competência transferida mais pesada”.
Clarificando: o tal envelope financeiro de que todos falam tem que ser robusto, dentro dos limites do razoável, para permitir a autarquias e escolas desempenharem a contento os seus papéis. E as juntas de freguesia também devem ser parte importante desta transferência, recebendo da respetiva câmara poder para intervirem nas escolas da sua área. De outra maneira, se assim não for, será um bocadinho de fazer de conta que se faz para tudo ficar mais ou menos na mesma.
Seja como for, acredito que as autarquias serão capazes de se adaptarem às novas funções que lhes forem atribuídas e que tudo correrá da forma mais harmoniosa possível.