Opinião – Stramproy e os escravos portugueses
“Trabalhadores portugueses explorados por máfias em estufas”, lia-se numa manchete, em outubro de 2006, no Gabinete do membro do Governo responsável pelas Comunidades Portuguesas. “Temos uma missão espinhosa nos Países Baixos. Precisamos de alguém que vá pôr ordem no assunto, no Consulado-Geral em Roterdão, ouça as pessoas e faça a ponte com as autoridades”.
Era então Cônsul-Geral na Alemanha, pontualmente em Lisboa para uma reunião de preparação da III Presidência Portuguesa do Conselho da UE. Nem pestanejei. “Quando preciso de partir?” – hoje mesmo.
A Andrea caiu para trás quando, já a caminho do aeroporto, lhe telefonei. Os meus Pais, coitados, souberam pela televisão quando a notícia da minha nomeação passava em rodapé no telejornal.
Enquanto pertencer a esta carreira, servir Portugal e os portugueses nunca se compadecerão com geografias, tempos, doenças e interesses pessoais. Foi assim há 23 anos, continua a assim ser nos dias de hoje.
No Aeroporto de Amsterdão-Schipol, procuro o meu novo Chanceler e o Conselheiro Social. Sou imediatamente informado que temos problemas graves em Stramproy, pequena localidade junto à fronteira com a Bélgica. “Ala, que se faz tarde!”
A forma de recrutamento dos nossos compatriotas repetia-se. Aliciantes anúncios colocados num jornal diário português e os emigrantes partiam normalmente sem vínculo laboral ou com contratos numa língua que não falavam, com promessas de farta acomodação e rendimentos mensais de mais de 1500 euros limpos.
Trinta e quatro horas de autocarro depois, o isolamento era total e a minúscula rulote atribuída afinal repartida com quatro desconhecidos. E o montante prometido nem ver. Os recibos de ordenado semanais traziam os mais insólitos descontos: 50 euros pelo cartão de entrada em casa, 100 pelas botas, 90 para fardas, vales de adiantamento nunca pedidos. Endividados, encontravam-se subitamente nas mãos de máfias que emprestam dinheiro em troca dos passaportes e casamentos de conveniência.
Em Stramproy, num parque de campismo, cem trabalhadores portugueses à beira da revolta. À entrada, polícia de choque, televisão neerlandesa e correspondentes nacionais (António Esteves Martins e o saudoso Fernando de Sousa).
Consegui falar com o líder do grupo e trazê-lo à razão. Em cima de um biombo improvisado, debaixo de uma chuva torrencial, dirijo-me aos nossos concidadãos, peço-lhes calma e prometo que faria a mediação com a agência de trabalho temporário que os havia contratado.
Assim fiz no dia seguinte, em Breda, quando numa reunião de sete horas negociei as indemnizações compensatórias para todos eles. Assim fiz nas semanas e meses seguintes por toda a Holanda. Eram milhares que iam ao engano e em busca de vida melhor.
Com o apoio da Polícia Judiciária, da sua congénere holandesa, da Inspeção do Trabalho e do Conselheiro para as Comunidades Portuguesas, José Xavier, conseguimos resolver a vida dos que tinham coragem de apresentar queixa.
Tempos difíceis esses. A apenas 3 horas de Lisboa, na Europa supostamente desenvolvida, vi compatriotas sem dinheiro, esfomeados, sujeitos a maus-tratos e a ameaças de morte.
Por estes e outros portugueses insisto num Portugal moderno e competitivo, que lhes ofereça oportunidades em casa e devida proteção no estrangeiro. Que qualifique, promova e invista no melhor capital que conheço – todos nós. Em Bissau, Stramproy ou Dakar, assim faço a minha diplomacia e assim sirvo o meu país.