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Opinião: “Os surdos na escola”

12 de maio às 12h57
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O povo surdo atingiu a maioridade e afirma-se hoje como um povo livre, autónomo, com as suas línguas gestuais oficialmente reconhecidas, com quadros políticos e culturais altamente qualificados e conscientes do caminho percorrido e do caminho a percorrer. No plano teórico e jurídico está plenamente reconhecido o estatuto de igualdade, no campo das práticas e no universo das escolas há muito caminho por percorrer. A herança é pesada porque foi construída ao longo de milénios assente em pressupostos falsos. A história trágica do povo surdo assenta num erro de diagnóstico grave, desde a mais remota antiguidade até quase aos nossos dias, que conduziu a um verdadeiro “holocausto” para as crianças surdas, cruelmente abatidas ou lançadas vivas para alimento dos cães ou das aves de rapina.
Este erro de diagnóstico grave determinou, em tempos mais recentes, que a educação dos surdos tenha recaído mais no campo da medicina e da deficiência do que nos campos da pedagogia ou das ciências da linguagem. Os surdos primitivos foram afortunados porque, está hoje comprovado, a primeira forma de comunicação humana não foi oral, mas gestual ou, como defendem alguns autores, a linguagem gestual acompanhada de sons foi evoluindo para uma comunicação oral, falada, acompanhada de gestos, tal como a temos hoje. A razão desta evolução é simples, a língua falada libertou as mãos e o corpo para o trabalho.
Limitando-me ao espaço português, o acolhimento, assistência e educação dos surdos, tudo foi obra de médicos e profissionais da saúde, na lógica da surdez como deficiência, “sobretudo a partir da direção e gestão da Casa Pia de Lisboa por António Aurélio da Costa Ferreira, médico e pedagogo, pioneiro da psicologia do desenvolvimento e da psicologia escolar, e do médico otorrinolaringologista Carlos Ary dos Santos”. Mas refiro também Bissaya Barreto, médico e cirurgião que criou o Instituto de Surdos-Mudos de Bencanta, Coimbra, que tinha dos surdos uma visão “dantesca”; M. Gabriela Penha, “que desenvolveu com grande minúcia e abundante informação o modelo médico da educação dos surdos, quer na sua vertente clínica, quer no plano dos métodos e conteúdos de aprendizagem, que nos revelam até que ponto toda a educação dos surdos foi configurada pelos profissionais da saúde”; e António Pinho e Melo, médico audiologista, o ideólogo mais visível do modelo patológico da surdez em Portugal.
Seria um erro grosseiro não reconhecer nem valorizar o contributo que todos prestaram ao acolhimento, assistência e educação dos surdos no nosso país na segunda metade do século passado, num tempo em que os surdos ainda estavam proibidos de frequentar escolas públicas. Os institutos de surdos, com grande implemento na década de 60, foram as comunidades, os ninhos para a emergência das línguas gestuais.
Este reconhecimento não apaga o erro de diagnóstico que desviou os surdos do seu caminho natural e que os martirizou com uma “pedagogia” absolutamente contrária à sua natureza, pondo em causa as suas aptidões para a aprendizagem e o seu estatuto de pessoas de pleno direito. Este erro tem atenuantes. Por um lado, a linguística só a partir da década de 70 é que descobriu e confirmou as línguas gestuais como verdadeiras línguas, com uma estrutura muito semelhante às línguas faladas, estando a maior diferença na natureza material dos sinais que utilizam: sinais sonoros na fala, sinais visuais nas línguas gestuais. Por outro lado, só a partir da década de 80 é que as línguas gestuais começaram a ser reconhecidas como línguas naturais e oficiais das comunidades surdas.
Se os surdos precisassem hoje de um atestado de maioridade e de inteligência superior bastaria lembrar que, apesar de terem sido sucessivamente proibidos de utilizar os gestos nas aulas e em muitos casos mesmo no exterior, a emergência das línguas gestuais em todas as comunidades de surdos conhecidas, escolares ou não, comprovam a primeira dimensão da condição humana, a capacidade para comunicar e para construir os códigos adequados para a linguagem, o instrumento de suporte para o conhecimento, o pensamento organizado, o raciocínio, em suma, as faculdades superiores do cérebro humano.
Os surdos já cumpriram o seu papel, o Estado ainda não. A Língua Gestual Portuguesa foi reconhecida pela Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de setembro, e visa: “Proteger e valorizar a língua gestual portuguesa enquanto expressão cultural e instrumento de acesso à educação e de igualdade de oportunidades”. Esta é a parte que falta cumprir. A escola ainda não é igual para surdos e ouvintes.

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