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Opinião: Os desafios da nova Estação Velha

20 de março às 09h46
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Teve lugar na passada sexta-feira a apresentação pública preliminar do Plano da Estação Intermodal de Coimbra. Apresentado pelo próprio Joan Busquets, o plano segue de perto, e mais detalhadamente, três dos grandes eixos estratégicos que já vinham dos estudos prévios, a saber:
– o prolongamento do Choupal para nascente, até ao Vale de Coselhas;
– o prolongamento do centro da cidade para norte, até pelo menos à nova estação;
– a transformação da envolvente próxima da nova estação numa área urbana central.
O primeiro destes prolongamentos está, contudo, desenvolvido duma forma muito mais intensa que o primeiro, ou seja, é claríssima a intenção de estender para nascente a Mata Nacional do Choupal através de um parque urbano que, por sua vez, liga depois a uma área de uso exclusivamente rodoviário, as circulares interna e externa. Oxalá haja também um plano de investimento e manutenção para esse novo parque, para que, pelo menos, não seja tão desprezado como o é, como o tem sido há muito tempo, o Choupal.
Quanto ao segundo eixo estratégico, que deveria corresponder a uma ligação urbana entre a zona do Arnado-Fernão de Magalhães e a nova estação, o seu êxito é mais difícil de prognosticar, teremos de chegar à escala do projeto para o tornar mais credível. Quando saímos do extremo norte da Avenida Fernão de Magalhães em direção à estação, temos uma extensão muito grande de parque, 300 metros do nosso lado direito (da Casa do Sal à subida para o Monte Formoso) e 900 metros do nosso lado esquerdo (do McDonald’s á própria Estação). É certo que será um parque muito tratadinho e agradável de percorrer, se houver investimento e manutenção, mas pode ser um parque inóspito e descuidado, se vier a ser como o Choupal. Nesse caso, esperemos não ter de admitir, mais tarde, que o objetivo não foi cumprido.
Ora, a intenção associada a este segundo eixo, a ligação urbana do centro á estação, é fundamental para que o terceiro eixo se possa cumprir, ou seja, a transformação da envolvente próxima da estação numa área central. Com áreas inóspitas e descuidadas pelo meio, perde-se o contínuo urbano e retomá-lo depois deixa de ser uma atitude natural. Vai ser mais difícil.
E as hipóteses de cheia? Também vai ser necessário olhar para elas? Sim, obviamente, mas tomando o leito e a bacia hidrográfica como um todo e não olhando exclusivamente para esta área-plano, tal como já me referi aqui há um mês, nesta crónica. Caso não se faça isso, mais vale dizer que Coimbra vai deixar de ser servida pela ferrovia e ponto final.
Mas há algo que esta apresentação trouxe de novo, que é o tratamento da área ribeirinha, já anteriormente proposto através de um estudo prévio do arquiteto Paulo Fonseca. No essencial, a proposta de Joan Busquets segue esse estudo. Incide um pouco mais na frente ribeirinha, com áreas comerciais de restauração, preciosas pela localização. É pena não arriscar um pouco mais na densificação. Esta é uma área cuja frente de rio é necessário preservar com um corredor verde, sem dúvida, mas é também uma área com um património de proximidade urbana notável, um património que necessita de ser revitalizado e reformatado. Refiro-me por exemplo à frente norte do edifício do Grémio, que é dada como edificável no plano da Metro Mondego, atualmente em vigor, ou aos edifícios da Infraestruturas de Portugal, a ponte da sede da Segurança Social, que o plano assinala, e muito bem em meu entender, como destinados a habitação de interesse social. Mantém, porém, o volume raquítico dos edifícios desqualificados que já lá existem, não deveriam antes harmonizar-se com a escala da cidade e dos volumes edificados na envolvente?
Enfim, são pormenores irrelevantes de tivermos em conta que o plano enfrenta corajosamente o tratamento urbano de uma área imensa. Na sua conformação inicial já ia desde a Casa do Sal até ao Loreto, agora ainda lhe acresce, a sul, a extensão até ao Largo das Ameias. Mas fá-lo, coisa rara em Coimbra, dando forma tridimensional ao modo de construir cidade. Testando, medindo e racionalizando cada programa, cada volume e cada via em função da forma final e não como layout a desenvolver posteriormente. Essa é a sua grande vantagem. É isso que também nos permite criticá-lo. Por isso é corajoso.
A razão pela qual eu refiro esses pormenores é simples, embora permanentemente complicada por um maniqueísmo absurdo. Um pouco por todo o lado, mas em Coimbra incisivamente, uma espécie de condenação militante do crescimento da cidade, há a ideia pré-concebida que as cidades são um alvo a abater. E de um lado da barricada dicotómica, estão os/as paladinos/as do “ambiente”, sempre alerta e prontos/as a lutar heroicamente contra todo e qualquer metro quadrado de construção na cidade. Do outro lado, há uma pequena e malévola corja de “bandidos/as”, na qual eu certamente me incluo, que acha que, no contexto contemporâneo, as cidades têm de continuar a crescer, a renovar-se, e o que é predador do ambiente são as imensas extensões suburbanas de baixa densidade que, para além do mais, em Portugal nem sequer são planeadas e quase não são reguladas.
As cidades de densidade média-alta são a solução para os objetivos do desenvolvimento sustentável, não são o problema. Mas para isso precisam de condições para ter mais gente. E Coimbra precisa de mais gente na cidade, gostava até de saber se isso foi uma premissa deste plano. Oxalá tenha sido, porque aqui está uma boa oportunidade para ajudar a atingir esse objetivo.

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