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Opinião: O Ser, entre o individual e o colectivo

29 de abril às 08h34
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Estamos por agora a reviver o que se passou há 50 anos no nosso país. Num esforço de identificação, milhares de pessoas desfilaram nas ruas das nossas cidades, celebrando a liberdade alcançada então. Com meio século de distância, cruzam-se os jovens de agora com os velhos que então participaram nessa madrugada redentora do 25 de Abril. Mas os tempos são outros e os contrastes não podem ser maiores. Antes de mais, apesar das múltiplas descrições dos protagonistas, o caminho que levou ao 25 de Abril foi um movimento colectivo. Cada um sentia-se decisivo, mas tinha a clara noção de que era uma peça da grande engrenagem que caminhava para a queda do regime. Não havia o “eu”, existia o “nós”. Provavelmente, esse sentimento nunca se afastou dos antigos protagonistas, hoje os velhos que se cruzaram com os jovens nesta comemoração.
É esse sentido colectivo que hoje não existe entre os jovens e que se torna mesmo difícil de entender. Hoje, o insulto sobrepõe-se ao diálogo. Isolados nas suas redes sociais, muitas pessoas “desabafam” sentimentos que nunca admitiriam em frente dos outros. Às vezes, alguns jovens complementam esta actividade com os jogos nos seus computadores, tentando destruir tudo o que mexe e treinando instintos guerreiros. Onde está o sentimento colectivo?
Também eu me senti peça do movimento colectivo de há 50 anos. A melhor memória que recordo é ter desfilado no primeiro Primeiro de Maio, em 1974, com o meu filho de 6 meses às cavalitas. Em Outubro de 1972, tinha voltado da guerra da Guiné, onde fui médico militar, e tinha-me casado pouco depois. Em 1969 tinha entrado para o serviço militar, castigado pela minha participação na crise estudantil de Coimbra, e um ano depois parti para a guerra. Aí, conheci os militares que participariam na revolução de Abril, que depois abracei já em Coimbra. Do conhecimento que tive deles, estava seguro de que o regime terminaria breve.
Como hoje se sabe, o golpe revolucionário de 25 de Abril começou a desenhar-se nas colónias e, em particular, na Guiné. Entre os militares, existia um sentimento surdo contra a guerra que começou a assumir a sua voz depois dos estudantes de Coimbra serem incorporados por castigo. Não estávamos dedicados à revolução e muito menos ao fim da guerra no colonial. Mas, nos pequenos gestos e conversas, todos nos sentíamos parte de um caminho que, inevitavelmente, nos traria a liberdade. E ela foi vivida colectivamente na Primavera de 1974.
Entre as minhas memórias, dei-me conta do que escrevi, no meu diário, ainda em Bissau, em Julho de 1971:

Folha de flor que desfolha
Lágrima de água perdida
Longe o amor que está fora
Longe a flor que foi da vida

Guerra na forja tecida
Vem da arma a alma sua
Guerra não sabe que há vida
Ferro de guerra não sua

Num recanto da derrota
Flora a semente perdida
Já o barco vai na rota
Da estrada que leva à vida.

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