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Opinião: O Joker

28 de fevereiro às 10h55
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No fim de 2019, um filme deu nas vistas por ser um símbolo daquilo que já estava a acontecer sem que nos déssemos conta.

O personagem central é o Joker (também traduzido por Coringa), que dá o nome ao filme.

Representa a história de um comediante fracassado, Arthur Fleck, interpretado por Joaquin Phoenix, sob a direcção de Todd Philips.

O argumento começa com um facto simples: dada a proximidade entre os centros cerebrais do choro e do riso, existem pessoas com uma ligeira anomalia neurológica que faz com que desatem a rir sempre que se sentem tristes ou abalados por uma emoção semelhante.

Arthur Fleck é um dos raros portadores dessa anomalia, mas tenta usá-la a seu favor: torna-se comediante.

Porém, tudo começa a correr mal quando a sua reacção é interpretada, num transporte, como abusiva.

Agredido por três executivos, começa por matá-los em autodefesa, com uma pistola que trazia acidentalmente.

Mas a matança não para mais à mínima injustiça sentida.

Uma difícil relação com mulheres e a própria mãe, dão contexto ao seu comportamento.

Inesperadamente, porém, ele torna-se modelo e líder para todos os descontentes que sofrem as injustiças da elite dirigente e contra ela se manifestam.

Este caso é paradigmático por duas razões.

Primeiro, porque uma adversidade pode ser tomada como vantagem em certos contextos.

Em segundo lugar, porque as consequências de tal superação podem ter desenvolvimentos imprevisíveis e mesmo trágicos.

Em causa está o estigma, mas também as dificuldades em lidar com a vida real e as relações pessoais.

E sobretudo, a dificuldade em aceitar a resistência que lhes possam colocar.

No caso de Flecker, a fuga era para os palcos reais da comédia. Hoje (e já em 2019 ), a fuga é para os palcos virtuais da Internet.

A dificuldade de interacção com pessoas reais é compensada com os personagens virtuais.

Mas quanto maior é esta fuga, maior será a dificuldade com pessoas tangíveis, o que mais agrava as dificuldades.

E nem é preciso que exista uma doença prévia. O comportamento de refúgio na Internet passa a ser a própria doença.

As crianças que já nascem agarradas a um ecrã podem ser admiradas pelos pais que vão aprendendo com elas.

Mas acabam por ultrapassá-los e, na adolescência ou mesmo antes, ficam sem controlo e tendem a isolar-se com os seus ecrãs de estimação.

A partir de então, só elas sabem por onde navegam, mas guardam segredo destas deambulações.

Se os pais, até então babados, soubessem delas, ficariam agora aterrorizados.

O período crítico da adolescência é decisivo para a renovação da vida.

É então que a irreverência dos jovens encontra sentido com a influência dos seus pares, e eles ultrapassam o estilo de vida dos pais.

A adaptação ao mundo em permanente mudança assim o exige.

Mas essa influência provinha de pessoas reais que se poderiam conhecer.

Com as famílias pequenas e a incessante deslocalização, as coisas tornaram-se mais complexas, mas continuaram a ser pessoas reais e localizáveis.

Mas hoje já não.

O virtual está na ordem do dia.

É caótico e de imprevisíveis consequências.

Para entender o que se está a passar, tentem descobrir as zonas obscuras da internet.

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