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Opinião: O homem da casa e o homem do banco

09 de julho às 13h08
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Era uma vez um homem que queria ter uma casa. Coisa pequena, três assoalhadas. Poupou-poupou-poupou, contou os trocos e percebeu que nem para a mobília chegavam. Viu um anúncio. Foi ao banco. Ao homem que queria ter uma casa, o homem do banco convidou-o a sentar-se. Que nem valia a pena ir à concorrência. E por que razão não pedia mais um pouco, para dar uso à nova garagem? O homem que queria ter uma casa, agora tinha também um carro, vestia roupa engomada ao domingo, andava de vidros abertos e estacionava à larga. Pediu para uma televisão. Depois os filhos quiseram consolas. Mais tarde um LCD e sapatilhas da nike.
O homem que queria ter uma casa ganhou importância no bairro. Recebia cartas do banco. Era tratado por Ex.mo Senhor. Assim tudo em maiúsculas. Gente fina. Ao longo de muitos anos as cartas foram chegando, a lembrá-lo de que era devedor. Que a casa não era sua, nem o carro, nem nada. Seu-seu, era só a dívida. Mas como era um homem honrado, pagava a tempo e horas.
O homem que queria ter uma casa, por mais que pensasse, não alcançava como é que o banco emprestava a todos e ainda assim lucrava. Era como se as contas de subtrair contornassem a álgebra, convertendo-se em contas de multiplicar. A mulher dizia-lhe que parasse de querer saber da vida dos outros. Que devia era estar agradecido ao homem do banco. “Se fosse assim tão fácil, toda a gente emprestava dinheiro”, titubeava ele, pensativo.
Mas os resultados semestrais do banco eram daqueles com muitos zeros. Foi aí que o homem que queria ter uma casa compreendeu que os ativos do banco eram feitos daquilo que ele e os outros deviam. Ainda que fossem dívidas não pagas e que esse dinheiro não existisse. Por isso, quanto mais gente devesse ao banco, mais o banco tinha.
Porém, veio a crise e o homem que queria ter uma casa perdeu o emprego. Cheio de encargos, ficou sem ter como pagar ao banco. Assim como este, muitos outros homens ficaram sem poder pagar. Para que não ficasse a arder, o banco foi lá e ficou-lhes com a casa.
O homem que queria ter uma casa era agora o homem que ficou sem a casa. Foi ao café. Enquanto era tragado pelo copo viu na televisão um homem que devia muitíssimo mais que ele. E não parecia nada preocupado. Joe Berardo pediu 263 milhões de euros a um banco para comprar uma parte de outro banco concorrente. Se o banco que Joe Berardo queria comprar se valorizasse, ele pagaria o empréstimo e ficaria com o lucro. Caso contrário, o banco que emprestou o dinheiro arcaria com o prejuízo.
Então, o homem que ficou sem a casa perguntou: “O banco que emprestou não podia ter ficado com os bens de Berardo?”. Poder, podia. Mas o caso era bicudo. As ações do banco que Joe Berardo quis comprar já só valiam uma décima parte do valor inicial e ele não tinha dado nenhum aval pessoal. Os peritos, que estudam muito para saberem estas coisas, concluíram que havia um “monumental buraco financeiro”, uma “gigantesca imparidade”. Ainda bem que há peritos, caso contrário ninguém chegaria a essa conclusão.
Alguém se lembrou que Berardo tinha uma Fundação e que as 800 obras de arte, que ele negociou com o Estado para que ficassem bem guardadas no CCB, podiam servir de garantia. Mas não. A coleção de Berardo era, afinal, de uma associação que ele controlava indiretamente, criada juridicamente para que a fortuna ficasse intocável.
Foi então que veio o Estado e perguntou ao homem do banco: “Quanto queres?”. A seguir, o homem do banco procurou o homem que ficou sem casa e disse-lhe: “Agora que tens outro emprego, eu voltarei a fazer-te um empréstimo”. Foi assim que chegámos até aqui.

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