Opinião: Das touradas ao lente
O Lente é um Professor da Universidade de Coimbra. São designados de lentes porque antigamente as lições consistiam na leitura e comentário sobre os vários manuais da matéria. Dizia-se que nas aulas o lente é menos que Deus mas é mais que gente. Os Lentes com direito ao uso de Borla e Capelo (Insígnias Doutorais) estão sujeitos à Praxe Académica. A Tourada ao Lente é a recepção oficial da Academia ao professor universitário que se disponha a dar em Coimbra a sua primeira aula teórica. Antigamente, a cerimónia ocorria independentemente da vontade do Lente, na sua primeiríssima aula.
Teoriza-se que a Tourada ao Lente é uma evolução duma outra antiga cerimónia oficial do tempo dos Estatutos Manuelinos da Universidade que se chamava o vexame. Antes do novo doutor receber o grau e as suas Insígnias Doutorais, um seu colega predispunha-se a louvar em latim, letras e costumes do graduado (o elogio) em quadras, mas também por palavras honestas dirá alguns defeitos para folgar que não sejam de sentir (o vexame).
Era constituída uma Comissão de Recepção que tratava dos preparativos e colocava ao Lente a defesa de uma tese em Latim Macarrónico. No decorrer da Tourada, o Lente era tratado como se de um Caloiro fosse. À entrada o Lente podia ser enfeitado com vários adornos e era-lhe oferecido um fardo de palha. Tinha que também zurrar, relinchar, dar pinotes e executar as tarefas exigidas pela plateia composta pelos alunos. Quem habitualmente mais se destacava eram os alunos de outros cursos, enquanto que os do Professor ficavam à cautela na rectaguarda da sala.
A Tourada terminava assim que um Veterano ou Quintanista apadrinhava o animal, colocando-lhe a pasta sobre a cabeça. Se o toureado não estivesse a dar gozo, o apadrinhamento só poderia ocorrer após 15 minutos de tourada. Assim que se dava o apadrinhamento, a tourada cessava e todos os alunos iam cumprimentar o novo Lente, já respeitando a sua condição condignamente.
A Tourada atingia quase todos os Professores de todas as Faculdades, mesmo os estrangeiros, não se tendo escapado desta o doutor Salazar (1916), o cardeal Cerejeira (1916), o doutor Maximino Correia (1922), doutor Pires de Lima (1930), doutor Luís de Albuquerque (1959) e tantos outros. Hoje em dia ainda decorrem as Touradas, mas sempre com o aval do visado. Em 1954 um professor da Faculdade de Letras fugiu à tourada com o auxílio de um funcionário. O Conselho de Veteranos deliberou o rapanço ad libitum ao Professor e ao funcionário, no entanto a Reitoria interveio em defesa do Professor. Já o funcionário, não teve essa sorte e foi tosquiado por muitos estudantes, com aplauso geral. A última Tourada ao Lente decorreu em 2007 a uma Lente da Faculdade de Letras.