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Opinião: À Mesa com Portugal: novo-riquismo

31 de dezembro às 12h30
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O Natal, sempre dado a excessos, não nos deixa pensar em comida. E ainda bem, pois o jejum não tem que ser um drama, por vezes até pode ser profilático. Ora vejamos.
A abundância corrompe a nossa fome e deixa-nos de olhar vazio e de resposta blaisé “não sei o que me apetece”, como se comer fosse um estado de alma à beira da depressão. Tenho pensado muito nisto. Se calhar andamos a iludir o gosto com a abundância, não sentindo o sabor dos alimentos ou das receitas apenas porque temos sempre disponível e em grande quantidade.
Se calhar, um dos princípios para saborearmos mais e melhor é deixarmos a fome entrar no nosso quotidiano. Não digo fome que nos “mate de fome”, mas digo regra que não nos deixe comer por hábito ou porque é preciso preencher o momento do almoço ou do jantar com comida.
Como se pode apreciar uma Chanfana se a refeição anterior foi um Cozido? Como se saboreia um Pão de Ló de Margaride se antes se comeu um Rebuçado de Portalegre? A verdade é que colecionar refeições, para além de provocar a dilatação do estômago, inibe a nossa capacidade de saborear. Continuamos a comer, mas já não conseguimos saborear. Talvez por isso, eu não tenha grande simpatia por concursos que envolvam gastronomia. Afinal, como pontuar quando o palato já está dormente com tanta prova?
Talvez a diferença esteja entre saborear e comer. Parece-me que comemos mais do que saboreamos. Ou, engolimos mais do que outra coisa. Podemos pôr muitos adjetivos na comida, podemos enchê-la de “estórias”, mas temos que fazer para que o sabor não se perca no meio de tanta abundância. Não há palato que resista a tamanha sobreposição de sabores.
Na cozinha, a simplicidade venceu sempre. Basta olhar a história do receituário para entender que a sofisticação exagerada e rococó teve vida curta. O que aconteceu às receitas medievais que eram encharcadas em “adubos” e “ervas de cheiro”? Foram sendo descascadas como uma qualquer cebola permanecendo, apenas, o essencial.
Numa espécie de novo-riquismo gastronómico (que se repete e é cíclico na história, é certo) temos tudo sempre sem ligar ao bom senso e à moderação. É claro que, sempre foi aceitável ter abundância em épocas festivas. Espécie de efeito libertador da rotina do trabalho, a festa foi sempre de êxtase alimentar. Mas calma. Não precisamos morrer de sede à boca do poço. Não precisamos matar o gosto com abundância em todos os dias da semana, em todas as semanas, em todos os meses. Podemos aceitar a frugalidade como uma benesse, como uma necessidade de oxigenar o palato, de o deixar respirar até ao novo encontro fortuito, apaixonado e libertador com a comida. Aquela que não queremos perder de vista, aquela que queremos na nossa mesa e, por isso, escolhemos bem.
A fome não tem de ser uma punição, nem a comida um sacrilégio. Será sim, um sacrilégio não sentir o sabor como ele merece. Afinal, porque andaram os nossos antepassados a lutar? Pano para mangas esta conversa.

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