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Opinião: À mesa com Portugal – A guerra dos cereais

11 de março às 11h28
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Quando escrevi o último artigo, fui surpreendida na manhã seguinte com o anúncio da invasão da Ucrânia pela Rússia.

Lembro-me de ter sentido um calafrio no exato momento em que li as notícias e, de imediato, ter pensado que não iria ser uma guerra em tom suave.

Naquele momento, veio-me à cabeça que para além dos tanques, das armas, das mortes, das fugas, da destruição e de tudo o que uma guerra implica, iria fazer-se sentir uma crise alimentar.

Pensei isto não porque gostasse de cenários catastróficos, mas porque sempre me arrepiou a dependência que o mundo tem dos cereais.

E, tendo em conta como a produção cerealífera é dominada por alguns países entre eles a Rússia e a Ucrânia, logo me pus a adivinhar o sufoco em que poderemos cair.

A verdade é que a base da alimentação mundial são os cereais e este conflito armado, ao qual se soma o contexto de seca extrema, cria dificuldades à fluidez que o mundo precisa para o abastecimento cerealífero.

É assim para o mundo inteiro pois, só a Rússia e a Ucrânia asseguram um terço da exportação mundial de cereais.

Não há como fugir a esta realidade que, para Portugal, assume contornos bem graves dada a inexistência de uma produção de cereais que possa colmatar as necessidades alimentares.

Entre 2016 e 2020, a produção conseguida ficou-se pelos 23,9% do necessário para cobrir as exigências de consumo.

E, no que respeita ao trigo, Portugal, em 2019, importou mais de um milhão de toneladas e produziu apenas 59000 toneladas.

É bem de ver o desequilíbrio entre o que se conseguiu produzir e o que se teve que comprar.

Tal será uma limitação nos dias que correm porque, apesar do trigo que consumimos ter origem na França, Alemanha e Polónia, resta saber se vamos conseguir continuar a comprar tendo em conta as ondas de choque que o conflito armado e a seca estão a produzir nas existências cerealíferas.

Teremos capacidade para aguentar a escalada de preço que se adivinha? Ou vamos ficar em lista de espera perante os países que têm maior disponibilidade financeira? Se pensarmos que o trigo é a base do pão, das massas, das bolachas e de tantas outras coisas, é muito assustador.

Não sei. Não sei mesmo como vai ser o futuro.

Mas, sei que me preocupa o facto de que muito do milho que consumimos habitualmente ser procedente da Ucrânia.

E, tendo em conta que precisamos deste cereal para alimentação animal, também por aqui se percebe que, muito rapidamente, vamos ter uma subida da carne e dos laticínios.

E nada disto vai ficar por aqui, pois a produção de sementes geneticamente modificadas alerta-nos para um hediondo monopólio no setor agrícola com consequências que poucos alcançam.

No entanto, atrevo-me a dizer que por mais dura que seja a realidade talvez seja o momento de percebermos o quanto desperdiçámos estes anos.

Consumidos e inebriados pela superabundância nem nos atrevemos a pensar o que andávamos a comer.

Nem quisemos pensar na forma intensiva e altamente manipulada com que fazíamos a produção agrícola.

Continuamos a comprar em espaços de prateleiras sempre cheias, a desperdiçar o que não se vendia e o que não se comia, a comer como se não houvesse amanhã.

Continuamos sem querer saber a proveniência do que comemos, a achar que a falta de alimentos era um exclusivo dos países mais pobres.

Continuamos sem pensar que somos um país de serviços e que, alegremente, descuidamos a nossa vocação agrícola.

Estamos num beco. Se tem saída ou não, não sei.

Eu espero que sim, ainda que a saída seja estreita, que seja uma saída.

Devemos começar, já hoje, a procurar essa saída.

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1 Comentário

  1. Poortugues diz:

    Andámos anos a trabalhar para os números. Todos tinham de fazer o 12º ano e ir para um curso superior (quantos licenciados não estão agora em call centers ou caixas de supermercado?). Abandonámos a agricultura. Os terrenos estão em pousio há anos. E agora não temos comida. Andámos a educar as pessoas de que a terra não era para trabalhar, não se deviam sujar. E agora não temos comida. Não vale a pena chorar sobre o que foi mal feito. Temos é de aprender com os erros e reverter a situação urgentemente.

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