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Opinião: A caminho de Glasgow

11 de outubro às 13h24
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No quadro da presidência britânica, em parceria com a Itália, da Conferência das Nações Unidas sobre as alterações climáticas, as embaixadas britânica e italiana junto da Santa Sé promoveram recentemente em Roma um encontro de líderes religiosos e cientistas, de forma a impulsionar a próxima cimeira sobre o clima (e a 26ª Conferência de Partes que acompanha a respetiva convenção sobre o clima), que decorrerá em Glasgow em Novembro de 2021 (https://ukcop26.org/).
Este evento, designado “Fé e Ciência: preparando a COP26” congregou a 4 de Outubro cientistas e altos representantes religiosos (de diversas confissões cristãs e islâmicas, do judaísmo, hinduísmo, sikhismo, budismo, confucionismo, taoísmo, zoroastrismo e jainismo), culminando na assinatura de um apelo comum. Neste documento, não só se invetiva a comunidade internacional a atingir quanto antes a meta de zero emissões de carbono, como se pressionam as nações mais desenvolvidas a tomar a liderança, ajudando financeiramente os países mais vulneráveis na necessária adaptação. Os próprios líderes religiosos se comprometem a desempenhar um papel mais ativo, através da sensibilização e educação dos membros das suas comunidades, bem como através da participação no debate público sobre questões ambientais.
Este encontro ilustra a fecunda complementaridade entre fé e ciência para a resolução de um problema global. De facto, à ciência corresponde obter o conhecimento sobre a Natureza, incluindo o acumular de evidências sobre as alterações climáticas. Contudo, o próprio método científico implica o permanente reformular de hipóteses e modelos explicativos dos dados experimentais. Para o olhar destreinado, a fronteira do conhecimento científico pode ser um lugar caótico. Para o decisor político negligente, pode haver a tentação de deitar a mão a um qualquer modelo “científico”, não necessariamente consensual, para apoiar as decisões mais estapafúrdias. Os consensos científicos são lentos e difíceis de alcançar e, em questões vitais como as alterações climáticas, a Natureza não espera.
É aí que o património espiritual da humanidade pode e deve desempenhar um papel fundamental, promovendo e incentivando as ações necessárias de acordo com os valores comuns, sem se limitar a aguardar o lento acumular de pontos experimentais e a consensualização de modelos. Esse património comum da humanidade tem a capacidade de iluminar o nevoeiro da incerteza e de definir os seus próprios caminhos, assentes na justiça e no respeito pela humanidade e pela natureza.
No dia seguinte ao da publicação do apelo, este conheceu um insuspeito apoio por parte de um dos comités científicos menos impressionáveis do planeta, responsável pela definição do prémio Nobel da Física. Este galardão só é atribuído a trabalhos com um fortíssimo apoio experimental: Stephen Hawking faleceu sem o receber; Einstein não recebeu o prémio pela teoria da relatividade, mas sim pela sua teoria do efeito fotoelétrico, e apenas após estudos experimentais exaustivos conduzidos pelo cético Millikan (que recebeu o prémio dois anos depois). Ora, o prémio Nobel da Física de 2021 foi atribuído a Giorgio Parisi (pelas suas contribuições para a teoria dos sistemas complexos) e aos físicos teóricos Syukuro Manabe, responsável pelo desenvolvimento de modelos climáticos, e Klaus Hasselmann, cujos métodos permitiram demonstrar que o aumento de temperatura da atmosfera é devido à ação humana. Na já longa lista de prémios Nobel da Física, é difícil encontrar um prémio com uma mensagem política tão forte e tão tempestiva.

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