Sustentabilidade faz-se com energia verde, realidade aumentada e resíduos que dão em detergentes

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Dois projetos empresariais no litoral Centro apostam no combate às alterações climáticas, transição energética e economia circular, adotando energias renováveis e realidade aumentada no fornecimento de componentes automóveis ou transformando resíduos em detergentes enquanto modelo de negócio.

Fundada na Figueira da Foz, há 36 anos, a Microplásticos fornece componentes para a indústria automóvel e tem vindo a reconfigurar-se e a investir no sentido de atingir a neutralidade carbónica em 2030.

“Temos uma meta clara de, em 2030, atingir a neutralidade de carbono. Neste momento, já reduzimos 88% da nossa pegada só com o simples facto de termos transitado para a energia verde. Como o nosso processo produtivo assenta, maioritariamente, no consumo de energia, só essa transição provocou uma diminuição significativa na nossa pegada de carbono”, disse à agência Lusa João Marques, administrador da Microplásticos.

A aposta nas energias renováveis passou, também, pela instalação de um grande parque de painéis fotovoltaicos, que resulta em que 15% a 20% do consumo energético da indústria de componentes automóveis tenha origem na energia solar.

Embora com menor impacto, mas considerada uma medida necessária, está a eletrificação, em curso, da frota automóvel da empresa, que, nas suas instalações industriais – possui duas na Figueira da Foz e uma terceira na Polónia, inaugurada em 2018, onde trabalham, no total, 500 pessoas – declarou “guerra aberta” ao papel.

“Não só a nível de gestão nos departamentos que complementam a produção, mas também no próprio chão de fábrica. Digitalizámos tudo o que era papel”, vincou João Marques.

A Microplásticos possui, aliás, um teste-piloto, que consiste em utilizar a realidade aumentada na sua produção: “Um operador consegue, através de um ‘tablet’, apontar para uma linha de montagem e ver, em imagens reais, com indicações de texto, simbologia e sequências, o que tem de fazer para fazer um correto ‘setup’ do processo ou a resolução de problemas”, explicou o administrador.

“Acredito que isto vai vingar e queremos passá-lo para toda a produção”, frisou João Marques, para quem a tecnologia “tem vantagens para as empresas”.

“E nós estamos a aproveitar, obviamente também recorrendo ao PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] e a todos esses fundos que estão a vir da Europa, para tirar benefícios e também, sempre, com impacto direto no ambiente”, sublinhou.

Numa unidade fabril onde predominam os robots que realizam tarefas vedadas aos humanos (desde logo o manuseamento de peças a altas temperaturas ou operações de extrema complexidade e precisão) e laborando num setor marcadamente exportador, João Marques notou que a Microplásticos poderia, por exemplo, fazer uso de materiais reciclados, mas essa é uma exigência a que os seus clientes e as marcas automóveis não dão prioridade.

“Esta diretiva devia vir das marcas e de toda a cadeia produtiva, mas o que é facto é que os próprios clientes não obrigam à utilização de materiais reciclados”, notou João Marques.

Por outro lado, apesar dos investimentos ambientais realizados, os custos das emissões no processo produtivo de cada empresa “não são tidos em conta na atribuição dos negócios” por parte dos clientes.

“E, por isso, quem tem o preço final mais barato é quem ganha o negócio. É um bocadinho um contrassenso, nós estarmos, por um lado, a trabalhar com medidas internas para diminuir o impacto [ambiental], mas depois, por outro lado, não haver na indústria automóvel essa diretiva de utilizar materiais reciclados. Há décadas que podíamos estar a trabalhar sobre este tema e perdemos uma grande oportunidade de diminuir toneladas de [emissões de] CO2 para a atmosfera”, observou.

Cerca de 50 quilómetros a norte, em Vagos, no distrito de Aveiro, está estabelecida a unidade produtiva da EcoX, uma empresa sediada em Penela, Coimbra, que aposta em produzir detergentes a partir de óleos alimentares usados.

“O óleo é um produto que causa muito problemas ambientais, quando não é descartado devidamente. E, em Portugal, há muita gente que nem sequer sabe que existem oleões. As pessoas em Portugal estão habituadas a usar o óleo para fritar batatas ou rissóis e depois metem o óleo para a pia ou para a sanita ou, em alguns sítios, fazem um buraco na terra e metem. Há muita iliteracia nesta parte”, disse à agência Lusa Beatriz Bandeira, gestora da EcoX.

Ciente desta problemática, a empresa, localizada nas instalações da Mistolin, com quem possui uma parceria no desenvolvimento de produtos de limpeza de linha doméstica e profissional – detergentes de roupa e de loiça, entre outros – utiliza aqueles resíduos, de origem vegetal, os quais, depois de recolhidos e tratados por outros parceiros da EcoX, resultam numa “base muito rica, muito interessante para os detergentes”, por incorporar tensoativos, substâncias que interagem com a água, as gorduras e a sujidade.

Esta base de sabão, por sua vez, após meses, ou até anos, de desenvolvimento laboratorial, resulta em novos detergentes sustentáveis, que são testados junto de potenciais clientes, antes de chegarem ao mercado.

“Temos muito tempo de investigação até chegar a um produto. Temos de fazer testes de estabilidade, para ver se um produto se aguenta bem em condições extremas de calor e de frio, fazemos testes de envelhecimento”, afirmou Beatriz Bandeira.

A reportagem da Lusa vislumbrou alguns desses testes laboratoriais, ficando a conhecer um detergente para pavimentos com cheiro a manga, outro de utilização múltipla com cheiro a figo ou um lava-loiça, ainda em projeto, de lima e baunilha.

Os produtos em desenvolvimento passam 16 semanas, cerca de quatro meses, numa estufa a 40 graus centígrados (e num frigorífico a quatro graus de temperatura), o que equivale, segundo a gestora, a quatro anos de tempo real.

“De tempos a tempos avaliamos a cor, o ph [grau de acidez e alcalinidade] e o cheiro. Os aromas são muito importantes, os detergentes vendem muito pelo cheiro”, sublinhou Beatriz Bandeira.

A EcoX foi uma das nove empresas – entre 86 entidades, a esmagadora maioria públicas – que concorreram a apoios no âmbito da primeira edição do Pacto Centro Circular, programa da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC).

À Lusa, Isabel Damasceno, presidente da CCDRC, notou que há “exigências e até fundos próprios, para transformações do ponto de vista energético e ambiental” nas empresas.

“Se uma empresa quiser fazer alterações no seu processo produtivo e ter economias e vantagens do ponto de vista ambiental e economias energéticas, terá, com certeza, apoios bons e benéficos para esses mesmos investimentos”, declarou.

Por outro lado, Isabel Damasceno constatou que eventuais resistências ao investimento de cariz ambiental estão a mudar, até porque o cumprimento de regras ambientais exigentes é condição obrigatória para se poder aceder a concursos públicos ou a fundos europeus.

“São alterações comportamentais e as alterações comportamentais não se conseguem de um dia para o outro. Tem de ser com ações sucessivas, com sensibilização, com visibilidade concreta das vantagens (…). As empresas e as instituições têm de ir, a pouco e pouco, adaptando-se àquilo que é uma exigência absolutamente indiscutível do presente e do futuro”, argumentou a presidente da CCDRC.

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