Opinião: Para além do Deus-Amor

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Ainda se sentem os ecos da Jornada Mundial da Juventude por entre as notícias das catástrofes que assolam diariamente certas regiões, e da imediata onda de solidariedade que elas despertam. Há sempre um lugar onde o eu desaparece para ceder ao apoio aos outros. E muita gente, sobretudo jovem, está sedenta desses momentos de transcendência em que se esquece de si própria para se dedicar a outrem.
Aparentemente, estamos perante uma reacção que tende a revogar a cultura individualista e hedonista que se expandiu no Ocidente e levou apenas ao desespero. Por muito que se enaltecesse o “self made man” (curiosamente nunca ninguém falou da “self made woman”), muita gente se dá conta de que o individualismo exacerbado é ilusório. Para o encobrir, descobriu-se uma palavra que está na boca de todos, mas que ninguém sabe o que quer dizer: o amor. Talvez seja o novo monoteísmo, semelhante ao deus-Sol que todos podiam sentir. Talvez todos nós também já tivéssemos sentido o amor como alguma forma de ligação, seja lá ao que for.
A avaliar pelo número de vezes que é evocado, o novo monoteísmo comanda as vidas na sociedade laica. Mas não tem mandamentos nem ética, podendo voar por várias morais segundo as circunstâncias. Ocorre em pequenas bolhas e por vezes nem sequer liga as pessoas. No mundo virtual tudo pode acontecer; no limite, a ligação pode ser apenas ao telemóvel.
Neste caso, o individualismo acaba por perder a sua dimensão hedonista e fica o vazio. A perplexidade da pessoa assim tolhida não pode senão aumentar. E ei-la à procura de algo mais que possa fazer sentido. Sai para a rua, procura os seus pares, manifesta-se por qualquer causa, entra em organizações não governamentais, propõe-se para missões, ajuda onde pode, esquece-se de si própria. Não abraça apenas o seu amor, abraça todos em seu redor.
Viram-se na História momentos destes que assinalaram tempos de mudança. Fizeram abanar as antigas instituições de poder e, depois de um caminho incerto e conturbado, deram origem a novas instituições. Nem sempre os tempos foram bons, mas o caminho percorrido tem revelado um progresso evidente. Hoje, os desafios são enormes, o potencial destrutivo é incomensurável, mas dois novos aspectos têm um grande relevo.
O primeiro é a robotização. Não existem ainda soldados-robôs, mas nas batalhas actuais, os grandes protagonistas são os drones: pequenos brinquedos teleguiados que substituem os aviões dos kamikazes, os jovens pilotos japoneses que davam a vida para atingir os seus objectivos militares. E estamos ainda longe de saber até onde os robôs podem desempenhar as funções que antes eram executadas por homens fisicamente avantajados.
O segundo aspecto é o protagonismo crescente das mulheres. Não se trata da “self made woman”, mas das mulheres reais que se envolvem nas actividades que antes eram protagonizadas por homens, e para elas transportam os seus valores: o cuidado, o contacto com a vida natural e a beleza.
Os tempos são hoje incertos e confusos. Não sabemos ainda o que virá a seguir, mas podemos esperar que ocorra então um maior equilíbrio entre todos os componentes da vida.

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