Opinião: Titânio e cremação

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A Agência Portuguesa de Ambiente é composta de 11 siglas com vista a tocar assuntos diversos, como resíduos, água, monitorização de faixa costeira. Presumo que cada uma tenha um gestor ou director, e todos nomeados pelo partido do poder, neste caso João Matos Fernandes o ministro do Ambiente entretanto caído entre escândalos. Escolheu na área da gestão de resíduos Maria Mercês Duarte Ramos Ferreira, e para liderar a gestão dos recursos hídricos, contratou José Carlos Pimenta Machado da Silva. A APA é mais uma entidade a quem se paga mensalmente para recolher resíduos hospitalares, sendo que ela subcontrata diversas empresas para garantir a eficiência. Sabemos pouco destas agências porque não há entrevistas aos líderes, não há espaço televisivo a não ser que algo corra muito mal. O site também não é muito focado em informar o incauto.
Vem tudo isto a propósito de uma incógnita nacional. Que fazemos nas incineradoras, nos crematórios, aos metais que os corpos transportam? O que acontece ao titânio das próteses da anca, das cavilhas, às placas de metal, aos parafusos que custam milhares de euros para cirurgias, e depois desaparecem num limbo funerário? Em muitos países isto está esclarecido e é público. Como se trata de acrescentos ou substitutos do corpo humano, em respeito pela morte dos seus utilizadores os resíduos são reutilizados, sendo os lucros vertidos para ajuda a instituições de solidariedade social. Nós, os novos seres acrescentados de sofisticação técnica, somos reutilizáveis. Tal como no passado, o saque dos cemitérios terá lugar. Aconteceu nos Incas, no longínquo Egípto, na pior Alemanha. Ir em busca dos despojos e das oferendas enterradas connosco. A realidade dos crematórios coloca esta incógnita: que fazemos com os objectos que sobram da incineração? Tem havido alguns arrufos, como quando funcionários do alto de S. João se agigantaram contra as sementes da braquiterapia, ou contra o iodo radioactivo, que poderiam criar cinzas prejudiciais. Treze anos depois ainda a agência não criou as regras para estas questões.
O Titânio é uma aposta cara e muito usada na medicina de próteses ortopédicas. Custa caro porque há um negócio que se sustenta da exorbitância e uma habilidade que demora a construir por parte de quem aplica. Morto o utilizador o valor do objecto cai a pique e deve ser convertido em simples peso para entrar no novo negócio – a reutilização. São toneladas de material que saem dos crematórios para a indústria aeronáutica e outras utilizações, gerando lucros conhecidos, mas aparentemente mantidos em discrição.
Os mortos não podem ser cremados com desfibrilhadores porque estes explodem, mas já não há problema com os pacemakers. Somos uma estrutura que se constrói e se desmonta, e cada vez mais uma espécie que pode ser reutilizada, quer como dador de órgãos quer como fonte de peças de metal raro e caro. É pena pagarmos a tantas instituições que demoram décadas a organizar de modo claro, e a regulamentar de modo compreensível, os procedimentos.

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