Opinião: Ordem à deriva

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Reuniram-se mais de 2.200 advogados na Ordem dos Advogados no dia 7 de Junho, em Assembleia Geral Extraordinária. De imediato, a Ordem anunciou que vai lutar e utilizar “todos os meios ao dispor”, nomeadamente “parar a justiça”, para protestar contra a proposta do Governo de alteração aos estatutos, que considera violar os princípios do Estado de Direito. “Todos os meios ao dispor vão ser utilizados pela Ordem dos Advogados (OA) e faremos parar a justiça se for necessário”, disse à agência Lusa a Bastonária Fernanda de Almeida Pinheiro, sustentando que se vão manifestar contra “tudo aquilo que viola o respeito pelos direitos, liberdades e garantias das pessoas”.
A Bastonária Fernanda de Almeida Pinheiro considerou a proposta recebida do Ministério da Justiça “inaceitável”, pois pretende afastar os cidadãos da justiça, não podendo a OA “nunca compactuar com uma situação destas”. Apelou à luta e, num toque de centralismo parolo, diz que a proposta demonstra “a falta total de respeito pela instituição e pela advocacia portuguesa”, na medida em que “aproveitaram o momento que é tradição em Lisboa de maior descanso para propor algo desta dimensão a todas as ordens profissionais”.
Mas a final de que se queixa a Bastonária? Segundo a OA, a proposta do MJ permite que organismos públicos, nomeadamente municípios, juntas de freguesia, associações, organizações não-governamentais, funcionários públicos, empresas e não licenciados em direito possam prestar consulta jurídica sobre todas as matérias, sem qualquer supervisão por entidade externa. É o que já se passa na realidade, mas a Ordem acha que o MJ quer “afastar os cidadãos da justiça e canalizá-los para os meios alternativos de resolução de litígios”.
Contudo, e na verdade, ninguém sabe ao certo quais as alterações em causa, conforme assinalou o candidato a Bastonário Paulo Valério, presente na AG. Citando-o: “não existe qualquer proposta de lei em discussão. A Assembleia Geral foi, assim, sobre uma suspeita, um parecer da Autoridade da Concorrência, que não se sabe se, quando e em que exata medida será adotado.” O mesmo publicou que não se revê num suposto “direito de resistência”, porquanto “a Justiça que está parada há largos meses por uma greve de funcionários que a Ordem ignora; a Justiça que anda em striptease nos jornais, corando-nos de vergonha; a Justiça que agoniza há largos anos, sem estratégia, rumo ou ambição; a Justiça que a Ordem quer defender, afinal, paralisando-a. Ontem houve até quem defendesse (e foram vários) que os advogados deixassem de comparecer ao primeiro interrogatório de arguidos detidos, forçando a libertação de milhares de “criminosos” e lançando o pânico nas ruas. Sem que isso – numa assembleia de advogados – chocasse a audiência, antes lhe arrancando efusivos aplausos.”
Do que me apercebo, o que está em causa é a eliminação de barreiras no acesso ao estágio, incluindo a obrigatoriedade de remuneração dos estagiários, mais a separação entre órgãos disciplinares e de supervisão, prevendo-se 20% dos seus membros cooptados (o que, de forma alguma, afasta a autorregulação) e ainda o provedor do destinatário dos serviços (que não me parece conflituar com a figura do Bastonário, nem com a do Provedor de Justiça). Por último, a multidisciplinariedade das sociedades resulta de directiva europeia e não belisca a autonomia dos actos próprios dos advogados, como actualmente não belisca a existência dos advogados de empresa com contrato de trabalho.

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