Opinião: Coimbra e o planeamento. Algumas razões de peso para inverter o paradigma

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Há quatro décadas atrás, quase meio século portanto, Coimbra apetrechou-se com os instrumentos de planeamento que vigoravam na altura. O mais importante de entre todos é o Plano Director Municipal, PDM, que, com ligeiras alterações, é o que regula as intervenções na cidade ainda hoje. Nesses tempos as cida des ainda eram vistas, pelas sensibilidades ecológicas emergentes, como um inferno herdado da Revolução Industrial, origem de todas as fontes poluidoras e um alvo a abater. Era ainda a herança do Movimento Moderno, na sua sanha antiurbana, a dominar.
Hoje, já há algum tempo que sabemos bem como as cidades, sobretudo as cidades de média dimensão, correspondem a alternativas credíveis ao crescimento peri-metropolitano difuso, esse sim, altamente poluidor e um imparável predador de recursos. Contudo, embora saibamos isto, paira sempre no ar e na mente de muitas daquelas sensibilidades, o anátema que as utopias modernas lançaram sobre as cidades, na tentativa de as aniquilar.
Para Coimbra, mais especificamente, duas possibilidades se colocam no presente. Uma, é aquela que está ainda em vigor, ou seja, almejar ser um tesourinho turístico na orla sub-metropolitana do litoral atlântico, ou seja, um pequeno parque temático da urbanidade perdida, no meio de um imenso subúrbio que se espraia desde Setúbal à Galiza. A outra é cumprir finalmente o seu desígnio de cidade e afirmar-se como tal, ou “reinventar-se”, como amiúde tem sido sugerido, em saudável e digna articulação com as restantes cidades da região (e não numa absurda competição, desgastante e automutiladora).
Mas, para que a segunda destas opções possa ser possível, é absolutamente necessário enfrentar corajosamente a obsolescência dos instrumentos de planeamento vigentes. Rever o PDM na sua essência, nos seus princípios, alterá-lo profundamente. O zonamento funcional, por exemplo, na contemporaneidade, é uma aberração inexplicável. Todos bem sabemos que as cidades são multifuncionais, ou não o são. O controle abstracto da densidade não tem qualquer sentido objectivo, material. O da cércea muito menos.
O que vai ser necessário, isso sim, é redefinir uma área urbana, ligeiramente mais alargada do que a definida há oitenta anos atrás pelo Plano De Gröer. Sim, foi há oitenta anos atrás! É necessário consolidar sem preconceitos todo o interior dessa área. Tratar e cerzir os inúmeros vazios que a especulação fundiária e a normativa absurda foram deixando no seu seio. Mas é necessário também densificar um anel periférico dessa área consolidada, para conter o crescimento periurbano difuso, não com torres isoladas no deserto, ao jeito do Movimento Moderno, mas antes em continuidade com a cidade consolidada existente, vias largas, alamedas e jardins lineares, edifícios de uso diversificado em quarteirão aberto, ou semiaberto, com piso térreo comercial e cinco ou seis pisos, com optimização energética, condicionamento bioclimático e infraestruturação circular e sustentável. Tudo isto à ESCALA DA CIDADE, não à escala da moradia isolada em loteamento periférico. Assim, Coimbra pode bem vir a ser uma cidade europeia histórica do século XXI. Isto, claro, se o velho preconceito antiurbano o permitir.
Mas mesmo na circunstância presente, e no imediato, se quisermos um plano de actuação emergente, podemos olhar para a grande alteração que, a reboque das infraestruturas de mobilidade, se está a processar na cidade. A parte urbana da rede do Metrobus inclui 24 estações, 26 se contarmos com a do Alto de São João, entretanto introduzida, e com a da Portela. De entre essas, há 10 que podemos considerar em áreas urbanas consolidadas e 5 que se inserem nos planos entretanto desenvolvidos, o da Estação de Coimbra B e o da Beira-Rio. Sobram, portanto, 11 estações, para cujas áreas envolventes se deveriam estar já desenvolver planos, dentro dos princípios acima enunciados. Construir cidade em áreas esquecidas ou ostracizadas pelo desenvolvimentismo imobiliário. Essas estações em áreas não consolidadas são as da Portela, do Alto de São João, do Vale das Flores, da Casa Branca, do Norton de Matos, da Arregaça, dos Colégios, de Celas, do Polo III da UC, do HUC e do Pediátrico. Devem ser feitos planos, em continuidade recíproca, para essas estações e suas áreas envolventes. Deve-se prever o “crescimento” da cidade para esses espaços: habitação, serviços, comércio, espaço público, parques e jardins. Deve-se atrair gente, muita gente, para compensar a desertificação das áreas urbanas centrais e para viabilizar a sustentabilidade dos transportes em comum. Mas os planos deverão ser absolutamente controlados pela autarquia.
Se tivéssemos feito isso há 10 anos atrás, estávamos agora a candidatar ao PRR áreas de residência em standards diversificados, ou seja, custos controlados, média e alta qualidade. Isso é que seria fazer cidade.

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