Opinião – A vaidade em forma de lente

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Cada Mestre transmite o sinal do seu espírito à obra que constrói mais ou menos inovador, mais ou menos profundo. Mas também vai esboçando, a pouco e pouco, um estilo próprio. E o estilo é o Homem.
Um dos Mestres mais interessantes da Faculdade de Direito de Coimbra do século XIX foi, segurmente, o Doutor António Aires de Couveia.
Inscreveu o seu nome, a título definitivo, nos registo rútilos da história do direito português como célebre esquadrinhador da relevantíssima Reforma das Cadeias do século XIX e abraçou as pastas de Ministro dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça num governo presidido pelo Duque de Loulé e de Ministro dos Negócios Estrangeiros num gabinete chefiado pelo seu eminente colega da Faculdade de Direito de Coimbra, José Dias Ferreira.
O Doutror Aires de Gouveia subiu todos os degraus da carreira eclesástica. Foi Bispo titular de Bethsaida e Arcebispo de Calcedónia.
No entanto, antes de tomar Ordens Eclesiásticas, mas já lente da Universidade, não se coibia de serenamente chamar “Isabelita” à Rainha Santa e às procissões “preces passeadas”. Cultor das Musas e, como sabemos, elas nunca fizeram mal aos Doutores, Aires de Gouveia também cultivava a sua imagem de dandy de Coimbra, galan e de hábil conquistador. Segundo um relato testemunhado, “houve quem o visse, muitas vezes, ao caír da tarde, nas ruas da Alta, em Coimbra, a trocar olhares com raparigas bonitas que, das janelas, correspondiam com desenvoltura, sem acanhamento, aos acenos que ele, debaixo; lhes fazia”.
Em strevimento poético, talvez um seu discípulo, dedicou-lhe estas duas quadras deliciosas:

“A suissa penteada,
Na lapela violetas,
Vai falar à namorada,
Dizer-lhe letras e tretas.

Vem da Baixa para a Alta,
Todo liró, o Doutor,
Nem sequer dá uma falta
No curso do seu amor”.

Mais tarde, chegou a Santa Madre Igreja e estragou todas as legítimas expectativas de meninas bonitas de Coimbra. Aires de Gouveia não era vaidoso. Era a vaidade que andava.
Na Universidade de Coimbra e principalmente na Faculdade de Direito, descobrem-se dois tipos de vaidade. A lamurienta humildade em forma de vaidade. E a vaidade em forma pura e jactante. A de Aires de Gouveia pertencia claramente à segunda categoria.
Um dia, sem o mínimo rebuço, afirmou de forma categórica: “fui professor e fui catedrático; fui padre e fui bispo; fui deputado e fui ministro; só não fui general porque nunca fui soldado”.

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