Opinião: Uma escola para o futuro

Posted by
Spread the love

Deveria o título deste artigo terminar com um enorme ponto de interrogação. Mas fica mesmo assim.
A agitação que se vive nas escolas após dois anos de pandemia e as longas greves e outras ações levadas a cabo pelos sindicatos de professores e funcionários das escolas permite ressaltar aspetos diferentes, raras vezes analisados, do funcionamento dos estabelecimentos de ensino e do trabalho dos professores, alunos e encarregados de educação. Acresce que em época de avaliações aferidas e de preparação para exames é bem preciso que passemos em revista o que se vai passando nas escolas.
A primeira coisa que me ocorre e que releva da minha observação assente em 44 anos de exercício da profissão docente tem a ver com o facto de os alunos falarem cada vez menos entre si, com os professores e com as famílias e utilizarem cada vez mais o telemóvel, o computador ou o iPad para fazerem a comunicação. Curiosamente esta espécie de isolamento acompanhado, tem como um dos resultados o não saberem o nome dos seus professores, muitas vezes dos próprios colegas e das suas famílias e falarem do “setor” de Matemática ou de Português, não vendo nenhum interesse em os nomearem, como era habitual nos meu tempo de aluno e no de professor.
Por muito pouco que se queira dar importância a esta alteração, ela reflete, a meu ver, também uma importante mudança nas relações dentro da escola. Dizia há dias um aluno que os professores têm feito pouca falta, porque ou estão em greve ou aproveitam os tempos de aulas para falarem dos seus problemas e não para darem as matérias de que eles sentem necessidade. Poderá acontecer, embora eu creia que esse cliché não representa a generalidade do trabalho dos docentes dentro da sala de aula, mesmo nos tempos que correm.
Este isolamento comunicacional dificilmente será vencido no futuro. Há alguns dias, na sala de espera da consulta de neurocirurgia no Hospital de Coimbra, onde estaríamos cerca de 20 pessoas, notei que ninguém falava (nem com os familiares que os acompanhavam) e quase todos teclavam furiosamente no telemóvel, ou riam de alguma piada que lá encontraram. Até o habitual bom dia custava a sair, tão grande era o entusiasmo pelo exercício do novo meio de comunicação.
Imagino que nos momentos de lazer, também em muitas casas o mesmo esteja a acontecer, com os jovens a refugiarem-se nos seus cantos para poderem comunicar assim com os amigos.
O estranho silêncio do Ministério da Educação perante as reivindicações dos docentes pode, afinal, não ser tão estranho assim. Será que o governo espera a reforma de muitos trabalhadores da educação para reconfigurar posteriormente os quadros e as necessidades dos tempos que correrão? Quem sabe…
Será que depois desta conturbada época os professores definitivamente assumem que cada vez mais a aula será dada com recurso à internet e à inteligência artificial, com materiais preparados para isso, com livros de apoio que estão à mão de qualquer um e a qualquer hora? Tivemos o exemplo do que se passou durante a pandemia, com o ensino a distância. É óbvio que nas famílias com mais dificuldades sociais houve um manifesto prejuízo nas aprendizagens. Mas sente-se que este tipo de ensino pode vencer brevemente, abrindo novos horizontes (não discuto agora se bons ou se maus) à educação e ao ensino.
Que a Escola tem de mudar, parece não restar nenhuma dúvida. Este estado de coisas pode, assim, levar a uma diminuição do número de docentes necessários, uma vez que a internet os poderá “substituir”. Ao contrário do que se dizia e defendia ainda há bem pouco tempo, o corpo docente poderá encolher de forma acentuada. Recorde-se o que aconteceu no setor bancário, aquando da informatização dos serviços e do número de profissionais dispensados e de balcões fechados.
As escolas anteciparam o futuro, porque a pandemia acelerou a revolução digital, sem prejuízo de se perfilar ainda um longo caminho a percorrer. Pensa-se que esta nova escola dará ao aluno uma maior autonomia e, de facto, poderá ser verdade no que às aprendizagens diz respeito. Mas reitero a preocupação do isolamento da interação entre jovens e destes com outras gerações. Sendo a escola um local onde se aprende também a viver em sociedade, tal modelo causa alguns arrepios.
Preocupação principal é que esta nova Escola não se torne numa barreira em lugar de ser um facilitador das aprendizagens, prejudicando os socialmente mais frágeis.
Adaptar a Escola atual a este modelo vai ser um enorme desafio futuro, a que talvez possam responder os futuros professores
Se perguntarem qual é o meu grau de adesão a esta Escola do futuro, direi que remeto para o primeiro parágrafo deste texto e que torço o nariz, exatamente porque não fez parte da minha formação e da minha profissão. Todavia, reconheço que este pode ser um caminho.

Leave a Reply

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

*

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.