Opinião: Estados alterados de consciência

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Todos nós e, especialmente, o leitor que está a ler este texto, nos encontramos num estado de consciência que consideramos normal. Estamos a olhar para o texto, provavelmente a entender o que lemos, mas temos a noção clara do espaço que frequentamos, e basta um olhar para fora para encontrarmos outros pontos de referência: a cadeira, as paredes e as pessoas ao lado ou apenas audíveis, todo o movimento que nos envolve ou as coisas que permanecem e podem orientar a nossa deslocação.
Mas nem sempre é assim. O caso mais comum é durante o sonho. Vemos ou ouvimos várias coisas, até nos sentimos em movimento, é como se estivéssemos naquela mundo fantástico (e que às vezes nos traz referências do passado). Basta porém acordar e voltar à consciência normal, para logo nos darmos conta de que teremos vivido num estado alterado de consciência, sem que daí venha algum mal ao mundo ou a nós próprios. Mas tal não acontece se, privados do sono, começarmos a sonhar em plena vigília. A perturbação será grande, a realidade confunde-se com o sonho, e o risco para a saúde mental começa a escalar. Existem, no entanto, sonhos lúcidos, incluindo procedimentos para a sua produção e a possibilidade de os controlar, com possíveis benefícios para a saúde mental.
Para além de ocorrerem espontaneamente durante os sonhos, os estados alterados de consciência podem ser obtidos através de drogas psico-activas. Muitos psiquiatras fizeram essa experiência nos anos 60. Um deles, Jeffrey Lieberman, descreve a sua vivência com LSD num livro que escreveu recentemente sobre a história da Psiquiatria americana (“Psiquiatras, Uma História por Contar”): “A relva e as árvores pareciam mais brilhantes (…). As minhas mãos transformaram-se em objectos de maravilha, irradiando padrões caleidoscópicos (…). O barulho ambiente do campo que atravessávamos retorcia-se em enfeitiçados harpejos. (…) Enquanto fixava o olhar nos adornos religiosos de uma igreja, fui invadido por uma esmagadora consciência espiritual, como se Deus estivesse a comunicar-me os Seus segredos e sentidos divinos (…) .E então, no meio deste devaneio revelador, uma voz desencarnada suspirou – ‘E ninguém alguma vez saberá’ – o que me pareceu significar que era ali que residia a verdade geral”.
Mas não são apenas as drogas psico-activas que podem desencadear estes estados. A hipnose, a meditação, o transe ou o êxtase religioso, podem também provocá-los. A provocação pode mesmo ser intencional a fim de melhorar a criatividade, treinar-se em actividades, expandir a consciência e obter revelações, ou apenas para encontrar a tranquilidade e bem estar. Subjacentes a todas estas práticas indutoras, estão as várias formas de respirar e os movimentos oculares. A simples provocação de movimentos oculares semelhantes àqueles que ocorrem espontaneamente durante os sonhos, pode induzir um destes estados, semelhante ao sonho, que depois se pode encaminhar através da palavra. Os estados alterados de consciência são, assim, o centro da relação entre a subjectividade, o corpo e o ambiente, nele incluídos a cultura, a linguagem e as outras pessoas. Para o bem e para o mal.

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