Bagagem d’escrita: Mensagem de Cristo-Parte I Palestina – 2014

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Há cidades que se afirmam no Mundo pelo significado do seu passado, por terem sido o cenário de tudo aquilo que viram passar diante de si ao longo de milénios e pelo contributo que deram à Humanidade. Contudo, podem ter ficado mais sobrecarregadas de História do que a que as pessoas conseguiram comportar, dando assim também origem a problemas milenares que as acompanharão até ao fim dos nossos tempos. Nesta modalidade, Jerusalém é a candidata mais favorita a subir ao pódio.
No minúsculo espaço de menos de um quilómetro quadrado da sua cidade velha, acotovelam-se quatro mundos muito distantes, separados por fronteiras que não se veem mas que se sentem: falo do quarteirão muçulmano, o arménio, o judaico e o cristão. Sigo para este último à procura do ponto mais sagrado à face da Terra para uma parte da sua população, a Basílica do Santo Sepulcro.
Ao entrar pela sua porta principal, situado no transepto, dei um profundo mergulho na História num espaço tão estratosférico para o entendimento comum. Mulheres de lenços coloridos na cabeça e saias compridas, com rostos que apontam a sua proveniência do leste europeu ajoelham-se em redor da Pedra da Unção, o local onde, alegadamente, o corpo de Jesus Cristo fora colocado por José de Arimateia e Nicodemos para ser sepultado. Todos passam as mãos por essa laje sagrada, que já não é a original, dado que foi aqui colocada em 1555 aquando de uma das várias obras de restauro a que este edifício foi sujeito.
A proveniência desses peregrinos não terá sido ao acaso. Em breve constataria que aquele que é o epicentro da fé cristã está muito longe da influência católica a que o nosso eurocentrismo nos habituou. Aqui, quem mostra a sua presença é a Igreja Ortodoxa Grega, herdeira do Império Bizantino, que durante séculos a fio se assumiu como a guardiã da Terra Santa.
Mas as sensibilidades religiosas são sempre muitíssimo delicadas, e facilmente podem passar do amor para o ódio ao próximo, razão pela qual, em 1757, Osmã III, o sultão otomano da altura, teve de redigir o chamado Status Quo dos Sítios da Terra Santa, onde ficaram definidos os espaços atribuídos a Muçulmanos, Judeus e Cristãos, com destaque para a hercúlea negociação entre as várias fações destes últimos. Assim se definiu em que termos esta basílica seria gerida não só por católicos e gregos-ortodoxos, mas também por arménios ortodoxos, sírios-ortodoxos e etíopes-ortodoxos. Ainda hoje, por vezes, os ânimos facilmente se exaltam e dá-se lugar a cenas muito pouco católicas, ou ortodoxas.
Num ambiente escuro e soturno, dirijo-me para a pequena elevação rochosa de cinco metros que é a Gólgota, a suposta colina onde Jesus Cristo foi crucificado. Subo umas escadas estreitas, por onde me cruzo com peregrinos de lágrimas nos olhos que fazem já o seu percurso de regresso e chego a uma pequena sala onde impera o silêncio. O espaço prima por estar ricamente decorado, não segundo o estilo artístico ocidental, mas sim fruto da arte bizantina. Isso nota-se na representação da figura humana, nos candelabros, nas finas velas que se acendem ou mesmo na omnipresença dos carateres gregos antigos.
O altar ergue-se sobre um grosso vidro de onde podemos ver a rocha onde foi colocada a cruz. Um enorme painel prateado ofusca-nos o olhar, com um Jesus Cristo no centro na sua clássica postura em momento de agonia. Esse mesmo altar é a última paragem de quem vem aqui para rezar, naquilo que será o clímax da sua proximidade com o seu deus. A deferência toma conta de todos nós, mesmo para um mero viajante como eu, neste inegável centro histórico e espiritual mundial. (continua)

 

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